
Por Brasil de Fato
O Complexo da Penha continua vivenciando cenas de terror no dia seguinte da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Desde a madrugada desta quarta-feira (29), moradores se mobilizaram para recuperar corpos abandonados na área de mata da comunidade, na Serra da Misericórdia, onde também ocorreram confrontos.
Ao menos 72 corpos foram levados para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, cobertos com lençóis e enfileirados. O balanço oficial do governo do Estado contabiliza 64 mortos na megaoperação. Se levado em conta as vítimas encontradas hoje na mata, o total pode se aproximar de 130 pessoas mortas. Além dos 4 policiais, nenhuma das vítimas foi identificada.
No local onde os corpos estão expostos, chegam familiares a todo momento. O ativista Raull Santiago relatou que o cenário é de corpos violados e desamparo. Por volta das 10h, o Corpo de Bombeiros chegou no local para retirar os corpos.
“Acabei de ver uma mãe identificando seu filho, uma filha identificando seu pai. A ficha começa a cair, o cheiro podre de pessoas mortas, o grito, o choro, corpos chegando. Mais pessoas estão sendo encontradas em partes da favela”, disse em vídeo nas redes sociais. Ao fundo é possível ouvir o choro de mães.
A Operação Contenção mobilizou 2,5 mil agentes dos polícias civil e militar nos Complexos da Penha e do Alemão, sob a justificativa capturar lideranças do Comando Vermelho, na última terça-feira (28). A resposta do crime organizado instaurou o caos na cidade e na região metropolitana, fechamento das principais vias expressas com barricadas, e sequestro de ônibus.
Política de morte
Considerada desastrosa por especialistas, a atuação das polícias sob o comando do governador Claudio Castro (PL) superou as vítimas das operações anteriores mais sangrentas do Rio: a do Jacarezinho, em maio de 2021, com 28 mortos, e a da Vila Cruzeiro, em maio de 2022, que resultou em 24 óbitos.
A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) do Rio de Janeiro afirma que a escolha de Castro por execuções sumárias aponta recusa em combater o “atacado do crime” com inteligência e investigação aprofundada sobre movimentações financeiras.
“O que vemos é a, cada vez mais, naturalizada política de morte executada pelas forças policiais contra cada morador de favela e periferia do estado do Rio de Janeiro”, escreveram em nota.

Ao Brasil de Fato, a advogada Mariana Rodrigues da Renap, afirmou que há denúncias de mais corpos no alto do morro. “É preciso que a mídia fique atenta, pois há suspeita de que o Bope [Batalhão de Operações Especiais da PM] está voltando a fazer operação na [mata da] Vacaria”, disse.
ADPF das Favelas
Neste dia seguinte da megaoperação, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa (Alerj), em parceria com instituições locais, está no Complexo do Alemão acompanhando os desdobramentos.
A Comissão solicitou informações aos órgãos estaduais responsáveis pelo monitoramento da ADPF 635 sobre o planejamento, a execução e as responsabilidades pela ação. Castro chamou a decisão do STF, que restringiu as operações policiais nas favelas, conhecida como “ADF das Favelas”, de herança “maldita” que favorece a criminalidade.
“São filhotes da ADPF. A realidade que vemos agora é fruto dessa decisão do Supremo”, afirmou o governador. Para a rede de advogados populares, a determinação do Supremo representa um marco jurídico da luta de mães, familiares e movimentos sociais contra a violência policial.
“O governador Cláudio Castro afirma que a ADPF-635 é ‘maldita’ e classifica a letalidade policial como um mero ‘efeito colateral’ de uma política de segurança pública, explicitando a institucionalização da barbárie, a naturalização de políticas que promovem genocídio nas áreas de favela e a promoção da militarização responsável pela morte de crianças, de jovens, de trabalhadores e trabalhadoras, os quais são majoritariamente negros e de baixa renda”, reafirma Renap.

