quinta-feira, 4/12/2025
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STF dá 30 dias para o governo de São Paulo recompor corpo científico e expõe colapso silencioso da pesquisa ambiental no estado

Com quadro científico reduzido em 52% e avanço das queimadas, o STF determinou que São Paulo apresente em 30 dias um plano para recuperar sua capacidade de pesquisa e proteção ambiental.

 

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Por Rogério Bezerra da Silva

O Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Flávio Dino, determinou que o governo de São Paulo apresente, em 30 dias úteis, um plano de recomposição do quadro de pesquisadores ambientais — área que, segundo dados oficiais, sofreu um esvaziamento de mais de 52% nas últimas duas décadas.

O despacho, proferido no âmbito da ADPF 1201, analisa o que o ministro classifica como “omissão estrutural” do estado em garantir capacidade institucional mínima para proteger seus biomas, controlar desastres, monitorar unidades de conservação e cumprir compromissos ambientais nacionais e internacionais. O Ministro afirma que o quadro atual viola o artigo 225 da Constituição, que obriga o poder público a assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Um sistema que perdeu metade de seus cientistas

Conforme o próprio governo estadual admitiu ao STF, o número de pesquisadores vinculados aos institutos ambientais caiu de 217 profissionais em 2005 para apenas 115 em 2025. A perda acentuada ocorreu sem qualquer reposição por concursos públicos, o que — de acordo com relatórios de especialistas anexados ao processo — compromete inventários florestais, diagnósticos ecológicos, manejo de unidades de conservação e a memória institucional do sistema ambiental.

Esse colapso silencioso contrasta com a dimensão do desafio. Em 2024, o estado teve 739 mil hectares queimados, um aumento de 936% acima da média histórica estadual — um dos maiores aumentos proporcionais do país nesse ano. Segundo relatório do MapBiomas, 60% da áreas queimadas em São Paulo nesse ano corresponderam às de cultivo de cana-de-açúcar.

Recorde de queimadas e uma crise anunciada

O processo teve origem após incêndios de grandes proporções ocorridos em São Paulo justamente em 2024. Os dados oficiais apresentados ao STF revelam:

  • 720 autos de infração por incêndios florestais só no biênio 2024–2025;
  • Mais de R$ 278 milhões em multas aplicadas pela Polícia Ambiental;
  • Destruição de 73% da Estação Ecológica de Jataí, considerada uma das joias do Cerrado paulista;
  • Fogo atingindo áreas indígenas, como a Terra Indígena Icatú, cujo incêndio originado em canavial provocou a hospitalização de ao menos 20 pessoas.

Outros documentos técnicos mostram que o estado concentra hoje seus remanescentes naturais praticamente no Litoral e no Vale do Ribeira, enquanto o interior possui grandes “lacunas de conservação”, conforme apontado por Adriano Pereira Paglia, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

Disputa sobre o desmonte ambiental

O governo de São Paulo nega haver desmonte institucional. Alega modernização, aumento de orçamento e reorganização administrativa. Mas o STF foi taxativo: nenhuma dessas medidas substitui a falta de pesquisadores qualificados, condição indispensável para manejo, restauração ecológica, inventários, fiscalização e monitoramento.

Para o Ministro do STF, a ausência de pessoal técnico inviabiliza o cumprimento das metas assumidas na COP 15 e em legislações nacionais.

Metas ambiciosas, execução mínima

A decisão do STF expôs um contraste alarmante:

  • Meta estadual de restaurar 1,5 milhão de hectares;
  • Execução real até agora: apenas 25,6 mil hectares — menos de 2% da meta.

Embora o estado possua mais de 170 viveiros e capacidade anual superior a 74 milhões de mudas, o ritmo de recomposição está abaixo da escala necessária para recuperar áreas degradadas.

Dados do TCESP confirmam a mesma tendência: em diversos programas ambientais, “metas anuais foram reiteradamente rebaixadas ou não cumpridas por insuficiência de equipes técnicas especializadas”.

A nova ordem do Supremo

O STF impôs um conjunto de obrigações imediatas ao governo paulista. Entre elas, quatro pontos devem ser apresentados em até 30 dias úteis:

  • Plano completo de recomposição do quadro de pesquisadores, com: metas verificáveis, fases de execução, previsão orçamentária, concursos públicos e reorganização das carreiras.
  • Relatórios detalhados sobre recuperação da Estação Ecológica de Jataí.
  • Cronograma de execução para CAR (Cadastro Ambiental Rural) e PRA (Programa de Regularização Rural) até 2027.
  • Planejamento realista para atingir metas de restauração ecológica em 2026 e 2027.

A decisão ainda será referendada pelo Plenário, mas tem eficácia imediata.

O que está em jogo

A ordem do STF ocorre não apenas diante de uma crise ambiental local, mas no contexto de uma emergência climática global. São Paulo responde por 8,9% das emissões líquidas brasileiras de CO₂, de acordo com relatório da SEEG. Sem um sistema de pesquisa robusto, alertam especialistas, o estado não terá capacidade de antecipar, mitigar e enfrentar eventos climáticos extremos que já começam a se tornar frequentes.

A decisão, inédita, abre caminho para que o Judiciário exija, de forma concreta, infraestrutura de ciência e pesquisa como condição para a política ambiental — e estabelece um novo parâmetro nacional: estados não poderão mais alegar eficiência administrativa enquanto deixam seu corpo científico minguar.

 

 

Rogério Bezerra da Silva é Geógrafo, Mestre, Doutor e Pós-doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp.

 

 

 

 


* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.

Rogério Bezerra
Rogério Bezerrahttps://gravatar.com/creatorloudly177c571905
Geógrafo, Mestre, Doutor e Pós-doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Foi Diretor de Pesquisa Aplicada da Fundacentro. Coordenador do Movimento Pela Ciência e Tecnologia Pública. Atua especialmente em temas relacionados à análise e avaliação de políticas públicas.

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