Ferramenta gratuita desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho em parceria com a Unicamp surge em meio ao avanço da violência, discriminação e assédio em ambientes laborais — problema que explode no Brasil e tem forte incidência no estado de São Paulo.
Por Rogério Bezerra da Silva
O Brasil vive um boom de queixas sobre violência, discriminação e assédio no ambiente de trabalho. Procuradorias regionais do Ministério Público do Trabalho (MPT) registram aumento constante de denúncias; a Justiça do Trabalho recebeu, apenas entre 2020 e 2024, 458 mil novas ações envolvendo assédio moral. No estado de São Paulo, especialmente na Região Metropolitana, Baixada Santista e Campinas, a pressão no sistema é ainda maior: o TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho – Região de São Paulo), que abrange a capital e cidades do entorno, concentra a maior parte das ações de assédio moral do país.
É nesse cenário que o MPT e a Unicamp lançam o aplicativo Trabalho Sem Assédio, iniciativa gratuita e de alcance nacional. A ferramenta permitirá que trabalhadores reconheçam situações de violência organizacional, saibam como denunciar e recebam orientação segura, sigilosa e acessível.
A cerimônia de lançamento do app ocorrerá nesta quarta-feira (10/12), às 10h, na Unicamp, no auditório “Zeferino Vaz”, da Faculdade de Educação.
“Para quem não tem voz ou escudo”
O app foi desenvolvido pela cooperação entre MPT e Unicamp e contou com a coordenação do professor José Roberto Heloani, referência nacional em saúde do trabalhador e assédio moral.
Em entrevista ao Jornal da Unicamp durante a assinatura do acordo de cooperação, Heloani resumiu o sentido da ferramenta:
“O aplicativo será uma ferramenta para pessoas que não têm voz ou escudo, que não sabem que estão sendo vítimas de assédio ou discriminação”.
Para o pesquisador, o app é uma resposta necessária a transformações profundas no trabalho contemporâneo.
Ele afirma, em entrevista para a Revista Laborativa. que a precarização, o individualismo competitivo e a intensificação das metas criam ambientes onde a violência se naturaliza:
“O assédio não é um episódio isolado; ele é estrutural em certas organizações. Exige intencionalidade, repetição e sistematicidade”.
Heloani também lembra que, apesar do aumento das denúncias, a subnotificação ainda é enorme — especialmente entre trabalhadores mais vulneráveis, com menor capital social ou receio de retaliação.
Por isso, diz ele, à Laborativa, tecnologias públicas podem democratizar o acesso à informação:
“Precisamos de instrumentos de proteção que ajudem o trabalhador a reconhecer e nomear o que está vivendo, para que ele não adoeça em silêncio”.
Um país que silencia o adoecimento
As estatísticas oficiais mostram o tamanho do problema:
- O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento em novas ações de assédio moral entre 2023 e 2024: foram ajuizadas 458.164 novas ações por dano moral decorrente de assédio moral.
- O TRT-2 concentrou a maior demanda de ações no país, o que sugere que o estado de São Paulo registra um volume relativo elevado de processos de assédio moral.
- A Ouvidoria‑Geral da União, em 2023, registrou 3.580 denúncias de assédio moral e 795 de assédio sexual.
- O MPT, em publicação recente, mostrou que entre janeiro e julho de 2025 foram recebidas cerca de 10 mil denúncias de assédio moral em âmbito nacional.
Como enfatizado por Heloani, a violência organizacional tem impacto direto na saúde dos trabalhadores, com casos frequentes de depressão, ansiedade, síndrome de burnout, conflitos interpessoais e rupturas familiares.
O que o app oferece
O Trabalho Sem Assédio foi desenhado para:
- Orientar trabalhadores sobre o que é e o que não é assédio;
- Ajudar a identificar violência psicológica, discriminação, abuso de poder e coerção;
- Facilitar o envio de denúncias ao MPT, de forma segura e guiada;
- Disponibilizar materiais educativos sobre direitos trabalhistas;
- Conectar vítimas a canais institucionais de proteção.
A expectativa do MPT é que o app reduza barreiras de acesso e amplie a capacidade do órgão de mapear práticas abusivas em setores e regiões específicas.
Uma virada institucional
O lançamento do aplicativo marca um movimento institucional mais amplo.
Para Heloani, não se trata apenas de combater casos individuais, mas de transformar a cultura organizacional brasileira:
“Sem instrumentos de conscientização e denúncia, as empresas continuam reproduzindo práticas perversas que adoeçam seus trabalhadores”, diz o professor à Loborativa.
Ele defende que o enfrentamento à violência no trabalho depende de políticas públicas, educação corporativa e envolvimento da sociedade — e não apenas do judiciário.
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Rogério Bezerra da Silva é Geógrafo, Mestre e Doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Foi Diretor de Pesquisa Aplicada da Fundacentro.
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