
Dizer que o atentado ao assentamento do MST Olga Benário em Tremembé foi apenas uma disputa por um lote de terra é minimizar a gravidade do caso. Foi isso que fez o delegado Múcio Mattos Monteiro, diretor da Polícia Civil na região do Vale do Paraíba, em declaração à Folha de S. Paulo: “O caso aqui é uma disputa por um lote. Uma pessoa negociou o lote com outra, três anos atrás. Eles se desentenderam. Esses são os fatos.”
A fala do delegado lembra-me os tempos de cobertura policial. Quando havia um homicídio, era comum ouvir de policiais a expressão: “acerto de contas”. Era a senha para desmerecer a vítima, informar que se tratava de um ajuste entre bandidos ou traficantes e que, portanto, o caso não merecia maiores destaques (nem investigações).
De parte do governo federal, o tratamento inicial ao menos foi mais compatível com a gravidade da situação. Dois ministros visitaram o assentamento após o crime e o presidente Lula divulgou que a Polícia Federal passaria a investigar o caso.
Só para lembrar: na noite de sexta-feira (10), cerca de 25 pessoas armadas e com automóveis, caminhonete e motos, atacaram o assentamento, mataram dois assentados e feriram seis. Até agora, um homem foi preso e outro teve a ordem de prisão decretada pela justiça.
O governo Lula olha para este duplo homicídio no contexto do conflito agrário que historicamente provoca mortes no país. De 1985 até 2022, 64 sem-terra e 13 assentados foram assassinados no Brasil, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A preocupação e dedicação do governo federal neste caso, são importantes para impedir que o atentado de Tremembé não seja jogado na vala comum como se fosse um desentendimento em uma negociação. As áreas do assentamento Olga Benário são disputadas pela especulação imobiliária, como alertou o líder do MST, Gilmar Mauro. O próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que visitou o assentamento, reconheceu o interesse de grupos privados naquelas terras.
Os anos Bolsonaro foram terríveis para o movimento sem-terra. Mas desde que Lula assumiu seu terceiro mandato, não assentou nenhum trabalhador rural. Credita isso ao desmonte do Incra por parte de Bolsonaro, que inclusive criou uma norma de que o assentamento só pode ser efetivado se houver dinheiro no orçamento discriminado para isso. Bolsonaro criou a regra e não colocou nada no orçamento.
Agora o ministro Paulo Teixeira afirma que o governo iniciará novos assentamentos e irá dispor de R$ 3,2 bilhões em terras ou dinheiro para comprá-las.
A memória de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, de 52 anos, e Gleison Barbosa de Carvalho, Guegue, de 28 anos, que tombaram no ataque, poderá ser ao menos honrada. Primeiro, com uma investigação abrangente e que identifique não só os executores, mas os mandantes do crime, sem menosprezo ao movimento sem-terra e sem subestimar as forças que o combatem. E depois, ambos serão valorizados com o fortalecimento da reforma agrária e o assentamento de pessoas que queiram trabalhar, produzir e viver da terra.
* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.