sexta-feira, 1/08/2025
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Literatura

Centenário de Marcos Rey: legado na Série Vaga-Lume reúne mais de 15 obras juvenis

Evento na USP celebra a produção do escritor paulistano na segunda-feira, dia 4 de agosto, às 15h
O escritor Marcos Rey (1925-1999) e, ao fundo, capas de livros da Série Vaga-Lume, da Editora Ática, um dos maiores sucessos da história do mercado editorial brasileiro – Imagem: Montagem com Reprodução/Prefeitura de São Paulo
O escritor Marcos Rey (1925-1999) e, ao fundo, capas de livros da Série Vaga-Lume, da Editora Ática, um dos maiores sucessos da história do mercado editorial brasileiro – Imagem: Montagem com Reprodução/Prefeitura de São Paulo

Por Luiz Prado, Arte: Gustavo Radaelli*, do Jornal da USP
Uma geração de jovens descobriu o prazer da leitura com seus livros. Títulos de mistério e aventura que estão na memória de quem hoje já é pai e mãe ou talvez até mesmo avô ou avó: O Mistério do Cinco Estrelas, O Rapto do Garoto de Ouro, Um Cadáver Ouve Rádio, Sozinha no Mundo, Dinheiro do Céu, entre vários outros. Em comum, todos eles trazem a assinatura do escritor Marcos Rey (1925-1999) e o selo da Série Vaga-Lume, lançada em 1973 pela Editora Ática.

O professor Paulo César Ribeiro Filho, organizador do evento - Foto: Academia-USP
O professor Paulo César Ribeiro Filho, organizador do evento – Foto: Academia-USP

A importância de Marcos Rey e da coleção de livros juvenis em que passou a publicar a partir dos anos 1980 será relembrada por ocasião dos cem anos de nascimento do escritor. Essa é a proposta do evento O Legado da Série Vaga-Lume: Centenário de Marcos Rey, que acontece no dia 4 de agosto, segunda-feira, às 15 horas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Com organização do professor Paulo César Ribeiro Filho, docente da Área de Literatura Infantil e Juvenil do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, o encontro trará convidados para contar a história da coleção e recordar Rey. Estarão presentes o editor Jiro Takahashi, criador da Série Vaga-Lume, e os escritores Luiz Puntel, Marçal Aquino e Sersi Bardari, todos colaboradores da coleção.

O professor Paulo César Ribeiro Filho, organizador do evento – Foto: Academia-USPO professor Paulo César Ribeiro conta que o centenário de Marcos Rey foi um catalisador para um desejo mais antigo alimentado pelos professores da área de literatura infantil e juvenil da FFLCH de discutir a Série Vaga-Lume. “Tínhamos a vontade de fazer um evento a respeito do grande impacto da série na formação dos leitores brasileiros”, explica.

Era uma ideia do professor José Nicolau Gregorin Filho, da FFLCH, falecido em 2023. Um de seus últimos textos publicados havia sido justamente a respeito da perseguição ao livro Meninos Sem Pátria, de Luiz Puntel. Publicado na coleção em 1981, a obra se tornou alvo de censura em uma escola da zona sul carioca em 2018, acusada de “doutrinação comunista”.

Com a morte de Gregorin e a aposentadoria de outros docentes da área, apenas em 2025, com a chegada de Ribeiro e de Francisco Thiago Camêlo da Silva ao departamento, o projeto pôde ir em frente. Calhou justamente com o centenário de Marcos Rey.

“Os convidados vão partilhar suas experiências e convivências com Marcos”, adianta Ribeiro. No evento, além de Puntel, Aquino e Bardari, que estarão presentes, vão receber homenagens outras autoras da série, já falecidas: Maria José Dupré e Lúcia Machado de Almeida.

Jovens investigadores

Para Ribeiro, uma série de aspectos ajudam a explicar o sucesso da Série Vaga-Lume, que vendeu mais de 8 milhões de exemplares, publicou mais de cem títulos e durou de 1973 até 2008, com um breve retorno entre 2020 e 2021. Um desses aspectos envolve a percepção editorial de que havia um público leitor em potencial não representado pela literatura da época. Tratava-se dos jovens de 11 a 14 anos, estudantes do que hoje é o ensino fundamental II, compreendendo do 5o ao 9o ano.

Marcos Rey estreou na literatura juvenil em 1981 com o Mistério do Cinco Estrelasl - Foto: Prefeitura de SP
Marcos Rey estreou na literatura juvenil em 1981 com o Mistério do Cinco Estrelasl – Foto: Prefeitura de SP

“Tanto a Série Vaga-Lume como os livros de Pedro Bandeira – que fizeram sucesso ao mesmo tempo – conseguiram atingir um público leitor que não tinha uma literatura com apelo em relação a essa faixa etária”, afirma o professor. Parte do sucesso, conta, passava justamente pela correspondência entre a idade dos personagens e do próprio público.
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Outra questão determinante foi o processo original de seleção das obras que seriam publicadas. Foi essencial, explica o professor, a participação do próprio público na apreciação do que poderia ser lançado. “Ao contrário de outras séries, em que a seleção dos títulos era feita por um especialista, alunos reais foram consultados”, conta. “Fizeram testes com grupos, avaliando o retorno desses alunos, em parceria com professores que levavam os títulos no prelo para as escolas. E a partir dessa devolutiva os títulos eram publicados na série.”

A produção de Marcos Rey se destaca na Série Vaga-Lume não apenas pela quantidade de títulos publicados – foram mais de 15 –, mas por certos elementos recorrentes em seus trabalhos. Seus maiores títulos na coleção são marcados pelas histórias de investigação policial protagonizadas por adolescentes e jovens. “Seus grandes títulos, como Enigma na Televisão, Dinheiro do Céu, Um Cadáver Ouve Rádio, são narrativas policias de investigação, com a presença de personagens adolescentes ou jovens, o que não era tão frequente nesse tipo de literatura policial”, indica Ribeiro.

Além disso, outro diferencial de Marcos Rey foi estabelecer um conjunto de personagens recorrentes em seus livros. A mesma equipe de jovens poderia aparecer em várias histórias. “Existe uma continuidade que faz com que o público fique fidelizado”, conta o professor. “Quem curtiu O Mistério do Cinco Estrelas e seus personagens tem a oportunidade de participar mais uma vez de uma aventura com esses mesmos amigos”, comenta Ribeiro, referindo-se à tetralogia que abarca ainda O Rapto do Garoto de Ouro (1982), Um Cadáver Ouve Rádio (1983) e Um Rosto no Computador (1993).

Uma vida dedicada à escrita

Marcos Rey é o pseudônimo de Edmundo Donato, nascido na cidade de São Paulo em 17 de fevereiro de 1925. “O nome que me dá mais prazer proferir e assinar e inclusive me dá mais dinheiro”, como disse numa entrevista, em 1998, para a Pro-TV – Museu da Televisão Brasileira.

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Filho de um gráfico e encadernador e irmão do também escritor Mário Donato (1915-1992), Rey cresceu rodeado de livros e cedo se tornou um leitor insaciável. Conheceu ainda na infância Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia, Paulo Setúbal e Orígenes Lessa, frequentadores de sua casa e amigos de seu pai.

Não era um bom aluno, mas seu interesse pela leitura chamava a atenção dos professores. Uma hanseníase contraída na juventude, em uma época em que não havia cura, deixou sequelas, mas não tirou seu bom humor, que levaria para toda a vida. Ainda na adolescência, entendeu que seria escritor e recusou o curso de Direito para trabalhar com a palavra.

Foi jornalista e depois redator na Rádio Excelsior. Dali passou também para a televisão. Criou o que pode ser considerada a primeira minissérie da TV brasileira, Os Tigres, com 20 capítulos, para a Excelsior, em 1968. Também escreveu novelas e foi redator por oito anos da versão do Sítio do Picapau Amarelo exibida pela TV Globo de 1977 a 1986. Assinou ainda diversos roteiros para o cinema.

Por muitos anos, trabalhou também como redator publicitário, seu principal ganha pão. Quando a esposa, Palma Bevilacqua Donato, vendeu o próprio carro e lhe entregou o dinheiro, abandonou de vez as agências para se dedicar integralmente à escrita. Não era um novato, mas a liberdade deu novo fôlego para sua produção.

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Seu primeiro livro publicado, Um Gato no Triângulo, é de 1953. Um sucesso de crítica, mas fracasso de vendas. Levaria sete anos para lançar o próximo, Café na Cama – este sim, um best-seller da época –, em 1960, mesmo ano em que se casou com Palma. Depois deles viriam quase 40 outros títulos, entre romances, crônicas, contos e autobiografias. Alguns de grande sucesso, como O Enterro da Cafetina (1967) e Memórias de Um Gigolô (1968).

Até 1981, Marcos Rey só havia produzido “literatura adulta”. Não pensava em se tornar um escritor de “literatura juvenil”. Aconteceu de maneira inesperada, quando foi procurado pela Editora Ática para escrever na Série Vaga-Lume, criada em 1973 pelo editor Jiro Takahashi. A ideia não era adaptar sua prosa, mas simplesmente ser o próprio Marcos Rey de sempre.

Aceitou a proposta, e em 1981 foi lançado O Mistério do Cinco Estrelas. Com o sucesso, passou a escrever praticamente um título por ano para a coleção, somando mais de 15 volumes, sem abandonar os livros adultos. Entre eles estão O Rapto do Garoto de Ouro (1982), Um Cadáver Ouve Rádio (1983), Sozinha no Mundo (1984), Dinheiro do Céu (1985) e o Enigma na Televisão (1986).

Histórias policiais, de mistério e aventura, os livros de Marcos Rey – como todos os títulos da coleção – vinham com exercícios para serem usados em sala de aula pelos professores e uma proposta envolvente para os jovens, com histórias em quadrinhos, palavras cruzadas e outras atividades lúdicas. As estimativas apontam que a série tenha superado os 8 milhões de cópias vendidas.

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Marcos Rey costumava ambientar suas histórias na cidade de São Paulo, procurando aproveitar suas próprias experiências como material criativo. Mas ele se tornou um escritor universal, traduzido na Espanha, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Alemanha, Inglaterra, Finlândia, União Soviética e Japão. Em 1987, foi empossado na Academia Paulista de Letras e, em 1996, ganhou o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores (UBE), sendo eleito o Intelectual do Ano. Na época, além do trabalho nos livros, assinava uma coluna de crônicas na revista Veja São Paulo. Morreu em 1o de abril de 1999.

O evento O Legado da Série Vaga-Lume: Centenário de Marcos Rey acontecerá no Auditório Nicolau Sevcenko da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Não é preciso fazer inscrição

Editando o editor

A trajetória do editor Jiro Takashi, criador da Série Vaga-lume, da Editora Ática, é apresentada no 11º volume da Coleção Editando o Editor, publicação da Editora-Laboratório Com-Arte, ligada ao curso de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em parceria com a Editora da USP (Edusp).

Com quase 60 anos de carreira, Jiro trabalhou em uma série de editoras brasileiras, como a Nova Fronteira, Ediouro, Rocco, Editora do Brasil e Global. Na Editora Ática, além da Série Vaga-Lume, criou a coleção Para Gostar de Ler. Foi também o fundador da Editora Estação Liberdade, no início dos anos 1990. Em atividade até hoje, é consultor do selo Nova Aguilar e da editora de livros didáticos Zapt.

Ao longo de sua carreira, Jiro manteve contato com nomes como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Rubião e Lúcia Machado de Almeida. Em 2024, foi homenageado com o Troféu Contribuição ao Mercado Editorial, no Prêmio PublishNews.

O livro é resultado de uma longa entrevista realizada com Jiro em junho de 2019, que contou com a participação de estudantes e professores do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA. Nele, o editor fala de sua juventude, da militância durante a ditadura militar e, claro, de suas experiências editoriais.

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Um dos capítulos é reservado justamente para a Série Vaga-Lume. Jiro fala da gênese da coleção, em 1973, com a publicação de A Ilha Perdida, de Maria José Dupré, e revela as estratégias editoriais para tornar a coleção atrativa ao público jovem, como o uso de histórias em quadrinhos e atividades lúdicas nos suplementos de atividades.

Ele também recorda a presença e a contribuição de Marcos Rey para a coleção. “Quando trabalhamos com o escritor Marcos Rey, ele nos ensinou a fazer algo muito melhor. Em vez de imprimir o livro inteiro e entregá-lo para ser testado pelos alunos, ele deu a ideia de elaborar uma sinopse da obra para a editora”, conta Jiro. Era uma técnica que o autor trazia da televisão, usada em roteiros como os do Sítio do Picapau Amarelo.

“Quando pensou em escrever seu primeiro livro juvenil, O Mistério do Cinco Estrelas, propôs fazer um resumo de três a quatro páginas, que passaríamos para muito mais alunos lerem. Os livros do Marcos Rey tiveram sinopses antes do lançamento, no estilo das telenovelas”, recorda o editor.

* Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

Fonte:
Jornal da USP
https://jornal.usp.br/cultura/marcos-rey-e-a-serie-vaga-lume-sao-tema-de-evento-na-usp/
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