Nas universidades públicas paulistas, a defesa do caráter público não é ato isolado: é trabalho coletivo, de resistência diante de crises econômicas, regimes autoritários e governos liberais ou ultradireitistas. Nas assembleias, salas de aula e praças, as associações docentes cumprem papel histórico de proteger uma instituição vital: a universidade pública, gratuita, inclusiva e socialmente referenciada.
Enquanto instituição gratuita – financiada pelo Estado e sem cobrança de mensalidade –, a universidade pública tem como missão assegurar a igualdade de acesso, independentemente da condição econômica. Inclusão não é apenas um valor, mas prática diária: ações afirmativas, políticas de permanência e reconhecimento das diversidades étnico-raciais, de gênero e culturais. Ser socialmente referenciada significa orientar pesquisa, ensino e extensão às necessidades concretas da sociedade, dialogando com comunidades e territórios. Nesse sentido, as associações docentes defendem uma universidade comprometida com democracia, cidadania crítica e conhecimento a serviço do bem-viver.
ADunicamp: guardiã da universidade pública
No auge da pandemia, quando a vida se resumia a telas e estatísticas, a ADunicamp (Associação de Docentes da Unicamp) trouxe a pergunta incômoda: o ensino remoto emergencial era neutro? No debate “Ensino à Distância no contexto da pandemia”, mostrou que a exclusão digital poderia se somar a tantas outras, ampliando desigualdades.
Em outro momento decisivo, no seminário “A construção da fome no Brasil”, discutiu-se o flagelo de milhões que voltavam a viver a insegurança alimentar durante o governo de extrema-direita. Ali, a universidade se conectou a uma dor coletiva, mas também se voltou à busca de soluções políticas e tecnocientíficas.
Foi também na sede da ADunicamp que nasceu o Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública, do qual partiu a crítica nacional ao Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, denunciando o risco de mercantilização da pesquisa e a ameaça à autonomia acadêmica.
A saúde, a cultura e os direitos humanos também ocuparam lugar central. O debate “Saúde Mental na Unicamp” revelou fragilidades no ambiente universitário. O ciclo “Questões Brasileiras” deu voz às práticas culturais da juventude periférica. Caminhadas como “Lugares de memória e resistências Negras” e a leitura pública da “Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito” mostraram que memória e democracia são também campos de luta.
Mais recentemente, a entidade esteve na linha de frente da mobilização pelas cotas para pessoas trans, travestis e não-binárias, aprovadas por unanimidade em abril de 2025. O episódio 71 do podcast Conexão ADunicamp, com a ativista Luara Souza de Oliveira, registrou esse marco histórico.
Assim, a ADunicamp reafirma o que sindicatos docentes podem ser: promotores de reflexão crítica, defensores de direitos e construtores de pontes com a sociedade.
Prêmio Mohamed Habib: sementes que florescem
A defesa da universidade também se concretiza em projetos que transformam vidas. O Prêmio de Reconhecimento ADunicamp – Professor Mohamed Habib, em sua edição do ano passado, agraciou, nas categorias:
• Defesa da Vida, da Saúde Física e Mental
Campanhas “Meses Coloridos”, que associam cores a causas de saúde específicas, promovendo prevenção, educação, quebra de tabus e engajamento da comunidade no Hospital de Clínicas da Unicamp e região. E o programa de extensão “Farra nas Férias”, colônia de férias educativa e cultural, que promove lazer, inclusão social e formação de estudantes universitários em práticas educativas e culturais com crianças de 6 a 12 anos.
• Educação, Justiça Social e Justiça Ambiental
Programa Colmeias de cursinhos pré-vestibulares, que promove acesso à educação para estudantes de baixa renda, formação de universitários como educadores, e inclusão social através de parcerias comunitárias e ensino colaborativo. E “Olhos no Futuro” e “Energizar”, que promove ensino, pesquisa, extensão e soluções sustentáveis em energia.
• Arte e Engajamento Social e Político
Criação artística e literária com povos indígenas (especialmente povo Kiriri do Acré), promovendo diálogo intercultural, educação inclusiva e valorização das ancestralidades indígenas e afro-brasileiras na universidade.
Projetos que mostram que a universidade pública floresce quando se abre ao diálogo com a sociedade.
Adusp: o vazio deixado pelo professor que não chegou
Na USP, a ausência fala mais alto. Desde 2014, são cerca de 500 professores a menos na instituição. A Adusp (Associação de Docentes da USP) alerta que esse déficit não é apenas estatística: ele se traduz em sobrecarga, menos disciplinas eletivas e perda da diversidade acadêmica.
Em 2023, greves estudantis e mobilizações conjuntas escancararam a precarização e exigiram condições dignas de ensino. Outro alerta da entidade recai sobre a expansão apressada do ensino a distância, com seus riscos pedagógicos e ameaça de desmonte da experiência presencial que caracteriza a universidade.
Adunesp: permanência como condição de existência
Na Unesp, a luta da ADunesp (Associação de Docentes da Unesp) passa pela permanência estudantil. Para muitos, auxílio, moradia e apoio psicológico não são benefícios: são condição de sobrevivência acadêmica.
A associação denuncia os impactos desiguais do ensino remoto e pressiona por políticas que evitem a evasão. Em parceria com movimentos estudantis, insiste que a universidade pública não pode excluir justamente quem mais precisa dela.
Quem entende o que é uma sala de aula
Essas experiências mostram que defender a universidade pública é, antes de tudo, atuar no cotidiano. É estar presente em greves, prêmios, debates, podcasts, caminhadas e assembleias. É também ser atuante na defesa de um ethos tecnocientífico que incorpore solidariedade.
Assim, a luta das associações docentes revela um projeto inclusivo, presencial e de qualidade. Uma universidade capaz de resistir a cortes, crises e negacionismo científicos, e que se mantém como território de imaginação e construção de outros mundos possíveis.
* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.