
Além de vender o patrimônio público, ignorar a violência policial e reduzir as disciplinas de humanidades na educação, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), está se especializando em outra atividade: vetar as leis aprovadas pelos deputados estaduais.
Desde que assumiu o governo paulista, Tarcísio vetou totalmente 167 projetos relevantes, enquanto sancionou outros 192 aprovados pela Assembleia Legislativa (Alesp), o que representa 46% do total. É quase um para um, ou seja, para cada projeto de um deputado que o governador sanciona e converte em lei, outro ele veta integralmente.
Para o cálculo acima, foram considerados relevantes os projetos de lei propostos por deputados e aprovados na Alesp, exceto aqueles que tratam de dar nomes a rodovias e prédios públicos, estabelecer datas comemorativas ou declarar órgão de utilidade pública.

Nesta semana, os vetos provocaram protestos de deputados da própria base de Tarcísio. O deputado Valdomiro Lopes (PSB), propôs que a reunião de líderes na próxima terça-feira (11) discuta a apreciação dos vetos do governo. O assunto é delicado, pois mexe com a vaidade de muitos deputados e há anos a Assembleia não faz análise deles.
Como funciona
O deputado apresenta um projeto de lei que depois de passar por comissões e ser aprovado no Plenário (muitas vezes demoram anos para todo este processo), seguem para análise do governador. Ele pode sancionar e converter em lei imediatamente, vetar parcialmente algum trecho e converter o restante em lei, ou vetar totalmente. Quando há algum veto (total ou parcial) ele volta para a Assembleia, que pode mantê-lo ou derrubá-lo.
O veto mais antigo que ainda não foi apreciado pela Alesp é de 2000, a um projeto do ex-deputado já falecido Campos Machado, que previa o direito do consumidor saber a procedência dos combustíveis que compra nos postos. Há 25 anos esperando para ser apreciado, ele se junta a outros 677 vetos de vários governadores que estão na pauta, mas vão sendo empurrados com a barriga ao longo do tempo.

Protestos na base e na oposição
Os vetos incomodam tanto a base como a oposição ao governo. O deputado Antônio Donato (PT) disse que “o governador Tarcísio tem uma relação complicada com a Alesp. Não permite mudanças nas propostas que encaminha para a Casa e projetos de deputados aprovados são vetados por ele por razões que muitas vezes não se justificam”.
Donato viu acontecer algo estranho com um projeto seu que concedia desconto de IPVA para proprietários de carros elétricos. Foi vetado, mas depois o próprio governador enviou um projeto para a Alesp para conceder o desconto a carros híbridos, deixando os elétricos de fora. “O carro elétrico que é menos poluente ficou de fora do benefício, contrariando o próprio discurso dele na inauguração da planta da GWM em Iracemápolis, em 2023. Um verdadeiro retrocesso ambiental”, comentou o deputado.
O deputado Gil Diniz (PL), grande aliado do governo na Alesp, não gostou nenhum pouco de ter mais um projeto vetado, o terceiro dos três que conseguiu aprovar: “três projetos aprovados no Plenário, 100% de aproveitamento. O governo tem sido muito afiado com os aliados. Acho que já posso pedir música no Fantástico”, ironizou na Tribuna da Alesp nesta semana. Pouco depois subiu o tom: “que os vetos sejam apreciados e os deputados sejam respeitados”.
Na maioria dos casos, ao vetar, o governo alega inconstitucionalidades e ilegalidades nos projetos que chegam da Alesp.

Mas o deputado Guilherme Cortêz, líder da federação PSOL/Rede, tem outra explicação: “é negacionismo puro”. Ele se refere ao projeto de lei que prevê educação climática nas escolas, vetado integralmente pelo governador no ano passado.
“O Tarcísio não quer que as próximas gerações saibam de quem é a culpa da emergência climática que estamos enfrentando e o que elas podem fazer para mudar isso, até porque isso faria com que elas questionassem a postura do próprio governo. Não tem nada de técnico, é só autoritarismo e doutrinação ideológica do governo”.
A deputada Ana Perugini (PT) está tentando conseguir votos necessários para derrubar o veto total a um projeto seu que prevê calcular o impacto do trabalho doméstico não remunerado, realizado majoritariamente por mulheres, na economia paulista.