quarta-feira, 1/10/2025
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Pesquisa Pública

Por que defender as universidades e institutos públicos de pesquisa

Seminário aborda a apropriação do conhecimento pela iniciativa privada e a necessidade de resgatar a função social da pesquisa

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Por Comunicação Adunicamp

As universidades e institutos públicos de pesquisa, que vivem sob permanente ataque, são os únicos capazes de produzir conhecimentos e produtos que não atendam apenas aos interesses do capital privado. Mas,hoje, estão amplamente a serviço de um capital que busca cada vez mais se apropriar de suas estruturas e serviços.

A universidade pública precisa ser repensada a partir de dentro, pois sem um projeto realmente ancorado na sociedade, perde apoio popular e fica à mercê de interesses das corporações. E ampliar o diálogo com a sociedade é o caminho essencial para enfrentar os recentes ataques obscurantistas e o sempre crescente discurso da privatização da universidade e dos serviços públicos.

Essas foram algumas das questões discutidas na primeira mesa do primeiro dia do seminário “O Negacionismo Científico e os Ataques à Pesquisa em São Paulo”, realizado nos dias 24 e 25 de setembro, a partir de uma parceria entre a ADunicamp, o portal Radar Democrático, a APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) e a Seção Sindical Campinas Jaguariúna do SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário).

Leia também: “Negacionismo das universidades e da ciência pública é um projeto político de direita”.

UNIVERSIDADE PÚBLICA E OS INTERESSES DO CAPITAL PRIVADO

“A invasão das universidades e dos institutos públicos pelos interesses privados tem múltiplas dimensões e há tempos já influenciam, direcionam ou até controlam parcialmente a produção de conhecimento, prioridades nas pesquisas e a gestão institucional. Às vezes de forma mais aguda e direta, outras vezes de forma insidiosa”, afirmou a pesquisadora Maria Maeno, da Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho), que abriu a primeira mesa do ciclo de debates. A mesa teve como título e tema “Por que defender as universidades e institutos públicos de pesquisa?”, e foi coordenada pelo presidente da Adusp, professor Márcio Moretto Ribeiro.

A pesquisadora apontou a permanente redução – ao longo da história recente e no “contexto do neoliberalismo” – de financiamento estatal à educação, à saúde, às políticas sociais e à pesquisa pública de forma geral. Assim, as “instituições de pesquisa passam a depender de recursos privados e órgãos de fomento”.

Na área da Saúde, lembrou ela, essa história é bem antiga, com laboratórios privados e a indústria farmacêutica firmando convênios com faculdades de medicina e hospitais universitários para a realização de pesquisas. A partir daí, convênios semelhantes cresceram exponencialmente, em especial nas áreas técnicas. “E a definição de prioridades dessas instituições sofrem forte influência desses financiamentos, em detrimento de pesquisas que seriam socialmente relevantes.”

Na avaliação da pesquisadora, esse modelo passou a interferir diretamente na direção e no dia a dia do trabalho das universidades e institutos de pesquisa. A produtividade e a necessidade de “publicar e publicar” passam a ser prioridade, mesmo com perda de qualidade. “Há um invasão da lógica do privado, por meio de métricas de produtividade, e estudantes são treinados para se tornar mão de obra especializada, enquanto docentes e pesquisadores são induzidos também a se dedicarem a esses interesses privados e a publicarem muito para engordarem o currículo e serem mais competitivos na corrida aos recursos de fontes privadas e mesmo públicas”, enfatizou ela.

A partir dessa lógica do privado, mudanças curriculares são promovidas de acordo com interesses de momento e a linguagem corporativa, empresarial, passa a fazer parte de um “espírito ‘inovador’, sepultando a lógica pública, o senso crítico, a formação cidadã e humanista”. Afinal, como avaliou a pesquisadora, a palavra “inovação” é associada, neste contexto neoliberal, à eficiência, competitividade, “empreendedorismo” e “crescimento econômico no sentido de crescimento dos mercados” e no sentido de gerar lucros. “Há um esvaziamento do sentido de inovação para uma transformação social, para diminuição das desigualdades, para o aprofundamento do sistema político para uma real democracia.” Esse quadro, disse ela, produz uma “perda do encantamento’, entre docentes, pesquisadores e estudante. “Precisamos unir forças, retomar um projeto voltado para a sociedade e provocar esse encantamento de novo.”

Esse quadro, disse ela, se agravou muito no período dos últimos governos neoliberais de direita e hoje, “felizmente a conjuntura mudou parcialmente” e, pelo menos, permite “projetos e ideias em disputa. “Não tenho ilusão de que seremos felizes para sempre. Já não somos agora, pois a lógica do privado encontra-se presente em nosso cotidiano. E a disputa de ideias só é possível em instituições públicas que abram espaço para a ocupação de movimentos sindical e popular”, concluiu.

Uma reforma universitária que parta da universidade

O Brasil não tem hoje um projeto universitário, não tem uma direção para aquilo que se espera de uma universidade pública socialmente ancorada. “E isso pega não só a nós, docentes e pesquisadores, mas também ao povo. A universidade pública, no formato que está hoje, não encontra base social”, argumentou o segundo palestrante do dia, professor Márcio Wagner Batista dos Santos, que se manifestou online, desde a Universidade Federal do Pará, onde atua e integra a Associação de Docentes da universidade. Com formação
em engenharia mecânica, ele também integra o Grupo de Trabalho pela Ciência
e Tecnologia do Andes-SN.

O professor Márcio lembrou que a caracterização do sistema brasileiro de pesquisa, principalmente gestado no pós-guerra, quando nasceu a Comissão Nacional de Pesquisa, que deu origem ao CNPQ e à Capes, tinha uma orientação focada nas urgências emergentes do país. Entre elas, o processo de industrialização nacional, inclusive com a busca de novos materiais para a indústria armamentista. “De certa forma, a pesquisa se orienta para a consolidação das nossas indústrias de base.”

A partir daí, a universidade pública passa a se estruturar no país voltada para um projeto nacional, logo passou a ser socialmente referenciado, com base no pensamento e na ação de cientistas e organizadores dedicados ao mundo acadêmico, como Mário Schenberg, Darcy Ribeiro e José Leite Lopes, entre muitos outros.

A mudança radical começou a se impor a partir de 1964, com a ditadura militar. “Ainda existia um projeto nacional científico até 1.968, quando ocorre a mudança radical. Se institui a universidade operacional, com viés produtivista, o que permanece mesmo após 1988, com a redemocratização e a nova Constituição. A partir de 1968 começa um novo processo: o que tínhamos no Brasil passa a ser desmontado. A universidade pública já não é mais uma instituição social, mas agora voltada para atender demandas de mercado. Não há mais o projeto de uma universidade para atender uma questão social, uma
questão brasileira.”

Assim, avaliou o professor, as universidades e instituto públicos de pesquisa passaram a ser cooptados radicalmente pelo mercado produtivista. “Essa é a lógica que orienta a nossa produção científica. Demandas que chegam para atender interesses privados e empresariais, não voltadas a questões de interesse da sociedade.” Ele lembrou que durante a pandemia “tínhamos a trava de desenvolver uma vacina aqui” e não por falta de capacidade, mas porque esbarrava na lei de patentes. “Não podemos, muitas vezes, produzir aqui medicamentos necessários, pois temos uma das piores leis de patentes.”

E é justamente por essa falta de ancoragem social, avaliou o professor, que as universidades públicas brasileiras não encontram eco e defesa de suas causas junto à população. “O que precisamos, e isso tem que partir de dentro das universidades, é uma reforma universitária capaz de resgatar a nossa universidade para sua função social, para o interesse público.”

O próprio sistema de avaliação da CAPES, avaliou ele, remete ao projeto produtivista e voltado para o mercado. “E temos que ter um projeto universitário voltado para a necessária superação do nosso subdesenvolvimento, pela nossa independência. Uma universidade voltada para nossas questões brasileiras, para a nossa questão social.”

Radar Democrático
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