terça-feira, 21/10/2025
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Entrevista

SindSaúde: Tarcísio, o “bom gestor” que não tem dinheiro para honrar compromisso com a saúde

O presidente do Sindicato da Saúde, Gervásio Foganholi denuncia descumprimento de acordos, achatamento salarial e prioridade do governo em privatizações

O governador Tarcísio de Freitas frequentemente se autoelogia de ser um bom gestor e manter as contas públicas em dia. Mas o que ele não fala é da permanente precarização dos serviços públicos às custas dos servidores. No caso da saúde, o governo que “tem as contas em dia” não pagou o bônus combinado com os trabalhadores alegando não ter dinheiro. Por outro lado, o vale-alimentação da categoria é um vale-coxinha de R$ 12.

Em entrevista ao Radar Democrático, o presidente do SindSaúde SP(Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo), Gervásio Foganholi, desmascara a precarização dos serviços. No início do mês o sindicato organizou uma greve de 48h (de 1 a 3 de outubro) que mobilizou trabalhadores em 37 unidades em todo o estado.

Dentre os principais problemas: a falta de pagamento da bonificação de resultados (BR) à categoria, conforme acertado, em setembro, o achatamento dos salários e, é claro, o valor irrisório do vale-alimentação. Veja abaixo os principais pontos da entrevista:

Acordo descumprido

Gervásio Foganholi destacou que a categoria possui uma data-base que, historicamente, nunca foi cumprida por nenhum governo em São Paulo. Neste ano, após seis meses de tentativas de diálogo sem sucesso com o governo, que não recebeu o sindicato para discutir a pauta de reivindicações – dividida em aspectos econômicos e sociais –, os trabalhadores deliberaram por um movimento de greve por tempo determinado de 48 horas.

Inicialmente, a greve foi suspensa após o governo apresentar uma proposta de pagar um bônus aos servidores. No entanto, Fogagnoli relatou o não cumprimento das promessas:

“chegando o dia 5 de setembro, não aconteceu o pagamento.”

Além disso, o reajuste do auxílio alimentação também não foi apresentado na data prometida. Diante do cenário, o governo justificou o não pagamento alegando falta de dinheiro e ausência de data definida, afirmando que os quatro pontos acordados seriam pagos, mas sem prazo. “Então, na verdade, são quatro benefícios que eles não cumpriram”, resumiu Fogagnoli, o que levou à convocação de uma nova assembleia e à retomada do movimento de greve.

Achatamento salarial e vale-coxinha

Um dos pontos mais críticos da pauta é o valor do auxílio alimentação, fixado em R$ 12,00. Gervásio Foganholi classificou a situação como desumana:

“Chega a ser desumano você pagar R$ 12,00 de auxílio alimentação para um enfermeiro, um técnico de enfermagem, para qualquer trabalhador da saúde, aonde faz plantão de 12 horas dentro do hospital e [recebe] R$ 12,00 para se alimentar.”

A disparidade é ainda mais evidente quando se compara com outras categorias do serviço público estadual, em que alguns trabalhadores chegam a receber R$ 80,00 por dia de auxílio alimentação. Segundo dados do sindicato, o valor necessário para uma alimentação adequada seria de R$ 57,00.

Passeata em frente ao HC de São Paulo. Foto: SindSaúde, divulgação
Passeata em frente ao HC de São Paulo. Foto: SindSaúde, divulgação

A insuficiência do reajuste salarial de 5% concedido pelo governo, que não repôs sequer as perdas inflacionárias dos últimos 12 meses, agrava o problema do achatamento salarial. O mecanismo do abono complementar, que desconta o reajuste de quem já o recebe, faz com que mais profissões se aproximem do salário mínimo, aumentando o número de trabalhadores que recebem o piso da categoria.

Orçamento estadual: prioridades questionáveis

A discussão sobre o orçamento do estado de São Paulo, que gira em torno de 382 bilhões de reais, levanta questionamentos sobre as prioridades do governo Tarcísio. Paulo Salvador, do Radar Democrático, ressaltou que “todo mundo fala do governo do estado de São Paulo, de Tarcísio, que não falta dinheiro, pela privatização da Sabesp, outras arrecadações, por se livrar de todos os serviços que tem”.

Apesar da percepção de abundância de recursos, Gervásio Foganholi é categórico:

“a questão não é o dinheiro, a questão é a prioridade. [o orçamento está] “voltado para as privatizações, para as terceirizações, para as organizações sociais, para as filantropias, mas não para os equipamentos próprios do Estado, para a administração direta ou para as autarquias do Estado.”

Essa prioridade contrasta com os quase 3 bilhões de reais em bonificações distribuídas aos policiais militares de São Paulo nos últimos anos, conforme reportagem da Ponte.

O Desmonte proposital da saúde pública

Gervásio: governo paga R$ 12 de vale-alimentação enquanto o necessário seriam R$ 57. Foto: Youtube, reprodução
Gervásio: governo paga R$ 12 de vale-alimentação enquanto o necessário seriam R$ 57. Foto: Youtube, reprodução

Gervásio demonstrou que há um processo de desmonte intencional da saúde pública, visando a privatização. O governo tem entregado a gestão de equipamentos de saúde a Organizações Sociais (OS) e entidades privadas de direito privado, que assumem um papel público. Muitas Santas Casas, inclusive, transformaram-se em OS para gerir serviços.

“Eu não abro concurso público, eu não contrato trabalhador. Eu não amplio os serviços enquanto está na gestão direta para deixar ficar bastante deficiente para depois oferecer o remédio para a população que é o seguinte, estou terceirizando e agora o equipamento vai funcionar.”

A realidade é a piora do atendimento, pois “a lógica dessas empresas é a lógica do mercado, não respeita os princípios do sistema único de saúde.” Além disso, uma CPI de 2018 já havia revelado que muitas dessas empresas não cumprem as metas contratadas e não devolvem verbas ao Estado. A alta rotatividade de profissionais de saúde nessas gestões privadas também prejudica a continuidade do tratamento dos pacientes, ferindo os princípios do SUS.

Os trabalhadores e o SindSaúde defendem veementemente que “o serviço de saúde tem que ser 100% público, um concurso público para contratar e que o SUS tem que ser 100% público.”

Desafios da greve e a comunicação sindical

Realizar uma greve na área da saúde é um desafio complexo, como reconhecido por Paulo Salvador: “no caso da saúde são muito mais difíceis, muito mais graves, digamos assim, você parar o atendimento, mesmo que tenha as situações de emergência.” Gervásio Foganholi complementa, afirmando que “não existe uma greve que não traga um prejuízo”, mas ressalta a responsabilidade do sindicato em manter os serviços de urgência e emergência funcionando. Ele contrapõe essa responsabilidade à negligência contínua do governo, que “deixa a população sem atendimento o ano todo” por falta de medicamentos, manutenção ou demora em agendamentos.

Diante dos desafios de comunicação na era digital, com o “império das big techs e os seus algoritmos” que valorizam a polêmica e a desinformação, o SindSaúde tem se reinventado. A pandemia de COVID-19 foi um “divisor de água” nesse processo. O sindicato investiu na formação de delegados sindicais de base e na criação de coletivos de comunicação e formação. A estratégia inclui uma comunicação direta com os trabalhadores e a população, utilizando redes sociais e cartas abertas para combater as fake news e o viés da mídia liberal, que frequentemente critica o serviço público e as estatais.

Veja a entrevista de Gervásio Foganholi, presidente do SindSaúde, na íntegra

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