Foto: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Bilhões em incentivos tributários projetados para 2026 revelam o impacto silencioso das renúncias fiscais sobre o financiamento da educação, da saúde e de outras políticas públicas essenciais em São Paulo.
Por Radar Democrático
Sob o discurso da competitividade e da atração de investimentos, o governo paulista prevê abrir mão de uma fatia expressiva de sua arrecadação tributária em 2026. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) nº 1.036/2025, enviado à Assembleia Legislativa, as renúncias fiscais — somadas em isenções, créditos presumidos, reduções de alíquota e outros incentivos — devem ultrapassar R$ 76 bilhões apenas no próximo exercício. O montante equivale a quase 20% de toda a receita tributária estimada do Estado e supera, isoladamente, o orçamento total previsto para áreas como educação ou saúde.
O dado consta do Anexo III do PLOA 2026, que reúne o Demonstrativo dos Efeitos sobre as Receitas e Despesas Decorrentes de Isenções, Anistias, Remissões, Subsídios e Benefícios de Natureza Financeira, Tributária e Creditícia. Segundo o documento, o ICMS responde pela maior parte da renúncia: R$ 76,1 bilhões em 2026, com crescimento projetado para R$ 85,9 bilhões até 2028.
Concentração setorial e territorial
Mais de 80% das renúncias do ICMS se concentram em três setores: indústria de transformação (R$ 11,09 bilhões), comércio e reparação de veículos (R$ 4,49 bilhões) e transporte e armazenagem (R$ 1,2 bilhão). Do ponto de vista territorial, a Região Metropolitana de São Paulo concentra quase R$ 30 bilhões dos benefícios, segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento.
Estudos recentes apontam que grandes conglomerados empresariais estão entre os principais beneficiados. Relatórios baseados em dados oficiais da própria Fazenda-SP indicam que empresas como Samsung, Apple, Dell, Motorola, JBS, Lenovo, Seara e Marfrig receberam, juntas, mais de R$ 5 bilhões em créditos de ICMS em 2024 — e devem continuar se beneficiando em 2026, caso o regime atual seja mantido.
Efeito cascata: menos recursos para políticas públicas
Embora a renúncia seja uma política deliberada, seus efeitos colaterais se refletem diretamente no orçamento das políticas públicas. Isso ocorre porque a perda de arrecadação reduz a Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado, base sobre a qual são calculados os repasses e dotações de diversos setores.
O impacto é particularmente sensível nas universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp), que dependem de uma fração da Receita Tributária Líquida para compor seus orçamentos. Em 2026, o PLOA destina R$ 17,9 bilhões às três instituições — cerca de 4,6% da receita do Tesouro. Caso as renúncias fossem reduzidas em apenas 10%, isso significaria R$ 7,6 bilhões adicionais, equivalentes a quase metade do orçamento conjunto das universidades.
Transparência ainda em construção
Até recentemente, os detalhes sobre quais empresas eram beneficiadas permaneciam sob sigilo. Mas, com a Resolução SFP nº 32/2025, a Secretaria da Fazenda determinou a publicação obrigatória do CNPJ, razão social e valores dos benefícios fiscais concedidos. A norma, alinhada à exigência federal de uso do código “cBenef” nas notas fiscais eletrônicas, busca aumentar a transparência sobre o destino dos recursos renunciados.
Efeitos sobre outras áreas essenciais
A pressão fiscal causada pela renúncia se estende para além da educação. No PLOA 2026, o governo destina R$ 33,3 bilhões à Secretaria da Educação e R$ 37,7 bilhões à Saúde. Somadas, as duas pastas consomem quase 40% das despesas totais do Executivo. No entanto, a expansão desses gastos sociais tem ficado limitada pelo crescimento vegetativo da folha e pela necessidade de honrar contratos de parceria público-privada e pagamento da dívida pública.
Fiscalização e alternativas
O Tribunal de Contas do Estado vem reforçando a necessidade de avaliação dos incentivos tributários. Em relatório de 2024, o órgão destacou que “o governo estadual carece de métricas objetivas de desempenho e de mecanismos de encerramento automático (sunset clauses) para benefícios fiscais sem comprovação de retorno social”.
Entre as alternativas debatidas estão a revisão do estoque de incentivos, a criação de um Fundo de Desenvolvimento com base em parte das renúncias e a vinculação de uma fração mínima do ganho de arrecadação futura à educação pública. O próprio PLOA reconhece que “as projeções de renúncia foram incorporadas à estimativa de receita, nos termos do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal”, o que confirma seu impacto direto sobre o planejamento orçamentário.
Bilhões invisíveis e o dilema do futuro
Com renúncias que somam o equivalente ao orçamento anual da saúde e da educação combinados, o Estado de São Paulo entra em 2026 diante de um dilema clássico: estimular a economia via incentivos fiscais ou garantir o financiamento sustentável das políticas públicas.
Sem uma reforma transparente e baseada em resultados, especialistas alertam que o “custo da renúncia” continuará sendo pago por quem menos se beneficia dela — a população que depende dos serviços públicos.
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