Projeto de lei altera critérios de carreira, avaliação e remoção e é criticado por ampliar poder discricionário da gestão sobre a vida funcional dos docentes.
Por Radar Democrático
O projeto de lei encaminhado pelo Governo de São Paulo à Assembleia Legislativa (ALESP) para alterar as regras de progressão da carreira dos professores da rede estadual abriu uma nova frente de tensão entre o Executivo e a comunidade educacional. Apresentada sob o argumento de modernizar a gestão de pessoas e valorizar o mérito, a proposta tem sido interpretada por parlamentares críticos ao governo como um movimento de endurecimento das regras de progressão, fragilização de direitos e ampliação do controle administrativo sobre a carreira docente.
O texto, que tramita em regime de urgência, modifica dispositivos centrais do atual plano de carreira, afetando professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escola. Entre os pontos mais sensíveis estão a vinculação direta da progressão à avaliação anual de desempenho, a possibilidade de remoção por interesse da administração e a transferência de definições centrais para regulamentações posteriores, por meio de decretos e portarias.
O projeto desloca o eixo da carreira de um modelo baseado em tempo de serviço, formação e referências salariais para um modelo fortemente meritocrático, com critérios ainda indefinidos e potencialmente punitivos.
Avaliação como eixo central da progressão
Atualmente, a progressão na carreira docente paulista está estruturada em referências salariais, interstícios e critérios combinados de formação, tempo e desempenho, conforme a legislação vigente após a reforma da carreira implementada nos últimos anos. Embora já existam avaliações, elas integram um conjunto mais amplo de critérios e não operam como um filtro anual obrigatório para evolução funcional.
Com o novo projeto de lei, a avaliação anual de desempenho passa a ser condição central para a progressão, e seus critérios deixam de estar definidos diretamente na lei. O texto prevê que parâmetros, indicadores e procedimentos sejam estabelecidos posteriormente por atos do Executivo, o que, segundo críticos, amplia a insegurança jurídica e abre espaço para subjetividade na aplicação das regras.
Remoção e mobilidade: outro ponto de tensão
Outro aspecto que provoca forte reação é a alteração das regras de remoção. Hoje, a mobilidade do professor ocorre majoritariamente por interesse do servidor, respeitando critérios objetivos e concursos de remoção. A proposta do governo amplia as hipóteses de remoção no interesse da administração, inclusive associadas ao desempenho funcional.
Carlos Giannazi, deputado estadual, alerta que essa mudança pode afetar a estabilidade do professor na unidade escolar, com impactos diretos sobre vínculos pedagógicos, projetos de longo prazo e a própria organização das comunidades escolares, especialmente em regiões mais vulneráveis.
Críticas das entidades e impacto na carreira
Sindicatos e associações do magistério afirmam que o projeto não foi amplamente debatido com a categoria e que representa um novo passo na direção de um modelo de gestão inspirado na lógica empresarial, com metas, rankings e sanções indiretas. Há também preocupação de que faltas, afastamentos e condições de trabalho — muitas vezes precárias — passem a influenciar negativamente a avaliação, dificultando a progressão e ampliando desigualdades dentro da rede.
Para os críticos, o discurso da valorização docente não se sustenta sem investimentos estruturais, melhoria das condições de trabalho e políticas de formação continuada articuladas à carreira.
Quadro comparativo — Progressão de professores em São Paulo
| Aspecto | Regras Vigentes | Proposta do Projeto de Lei |
|---|---|---|
| Modelo de carreira | Estruturado em referências salariais, interstícios, formação e critérios combinados de desempenho. | Mantém referências, mas subordina a progressão à avaliação anual de desempenho. |
| Progressão salarial | Evolução vinculada a critérios objetivos previstos em lei e regulamentos já existentes. | Progressão condicionada à aprovação em avaliação anual, com critérios a serem definidos posteriormente. |
| Avaliação de desempenho | Existe, mas integrada a outros fatores e não obrigatória anualmente para progressão. | Torna-se central e obrigatória para progressão, com parâmetros definidos por decretos/portarias. |
| Definição dos critérios | Critérios previstos em lei e regulamentações já conhecidas pela categoria. | Critérios transferidos para regulamentação futura, ampliando discricionariedade do Executivo. |
| Remoção | Predominantemente por interesse do servidor, com regras objetivas. | Amplia hipóteses de remoção no interesse da administração, inclusive vinculadas ao desempenho. |
| Recesso e faltas | Regras definidas em legislação e normas consolidadas. | Recesso e contagem de faltas podem ser redefinidos por ato administrativo. |
| Segurança jurídica | Maior previsibilidade da evolução funcional. | Maior incerteza sobre progressão, avaliação e permanência na unidade escolar. |
| Visão das entidades | Carreira já enfrenta entraves, mas possui regras conhecidas. | Projeto é visto como retirada de direitos e instrumento de controle gerencial. |
Com a tramitação acelerada, o projeto tende a mobilizar audiências públicas, atos de professores e pressão sobre os deputados estaduais. Giannazi sinaliza preocupação com a concentração de poder regulatório no Executivo.
O desfecho do debate na ALESP poderá redefinir não apenas as regras de progressão, mas o próprio sentido da carreira docente no estado de São Paulo, com impactos de longo prazo sobre a atratividade da profissão, a permanência de professores na rede e a qualidade da educação pública.
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