
Em 9 de junho de 2025, o Comitê de Direito das Crianças da ONU publicou orientação para que o Brasil reverta e proíba a militarização de escolas públicas em todos os estados. O documento destaca preocupação com a “violência sistemática contra crianças” e o impacto da discriminação racial estrutural, especialmente em áreas vulneráveis, como publicado pelo Metrópoles.
A recomendação foi baseada em uma proposta protocolada pela deputada federal Luciene Cavalcante, pelo deputado estadual Carlos Giannazi e pelo vereador Celso Giannazi, todos do PSOL-SP. O trio apontou inconsistências no programa do estado, que, em sua visão, pode reproduzir práticas militares em sala de aula.
Paralelamente, em 7 de junho de 2025, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) instaurou um inquérito sobre um edital de R$ 57,6 milhões para aquisição de uniformes destinados exclusivamente às escolas cívico‑militares, de acordo com Metrópoloes.
A reclamação foi formalizada pelo deputado estadual Paulo Fiorilo (PT), que denunciou possível violação do princípio da isonomia, já que apenas estudantes e professores dessas escolas receberiam uniformes gratuitos — enquanto colegas da rede pública ficariam à margem.
Fiorilo questiona ainda a origem dos recursos, alertando que, se vierem do Fundeb ou orçamento de manutenção escolar, poderão estar sendo desviados de investimentos em professores, materiais pedagógicos ou infraestrutura, configurando desvio de finalidade.
O MPSP deu 30 dias para que a Seduc informe sobre a licitação.
Convergência de críticas às escolas cívico-militares
Estas duas ações — interna e externa — se complementam ao colocar em xeque não apenas o modelo pedagógico, mas também a destinação de recursos públicos e as consequências sociais do projeto:
Aspecto | ONU / PSOL | MP‑SP / Paulo Fiorilo |
---|---|---|
Foco | Impacto pedagógico, violência, racismo | Legalidade da despesa, isonomia e origem de recursos |
Proposta | Proibição da militarização | Suspensão do edital e esclarecimento de verba |
Fontes | Luciene Cavalcante; Carlos Giannazi e Celso Giannazi | Paulo Fiorilo; promotor Paulo Destro |
Ambas as frentes sugerem que o modelo cívico‑militar, além de questionável por seus métodos disciplinares, pode também estar se beneficiando de recursos que deveriam atender toda a rede pública.
Escolas militarizadas agravam problemas educacionais
As escolas cívico-militares não vieram para resolver os problemas estruturais da educação pública no estado de São Paulo. Vieram para agravá-los.
Ao impor uma lógica disciplinar e hierárquica importada do modelo militar, esses programas desconsideram as complexas realidades pedagógicas, sociais e territoriais da escola pública. Em vez de garantir melhores condições de ensino, formação docente continuada e valorização profissional, o modelo aposta em fardas, hinos e rigidez, como se a crise da educação fosse, antes de tudo, uma questão de “falta de disciplina”.
Na prática, o projeto cívico-militar desvia o foco do que é essencial: garantir uma educação de qualidade, inclusiva, crítica e transformadora.
Esse modelo cívico-militar reforça desigualdades já profundas dentro da própria rede pública. Além disso, silencia e fragiliza os espaços de participação democrática na escola, como os conselhos escolares, reduzindo o papel de educadores a meros executores de ordens.
A recente recomendação da ONU e a investigação do Ministério Público de São Paulo revelam um ponto crucial: essas escolas não apenas falham em responder às demandas pedagógicas do século XXI, mas também correm o risco de ferir princípios legais, democráticos e de justiça social.
O modelo cívico-militar opera como cortina de fumaça, ocultando a ausência de uma política educacional sólida, baseada em evidências e construída com a comunidade escolar. Ao invés de formar cidadãos críticos e autônomos, aposta em submissão e controle. Não é esse o caminho para reconstruir a educação pública — é justamente o que a mantém em ruínas.