
Por Fabio Alves
Nos marcos do Estado Democrático de Direito, a responsabilização de autoridades públicas por seus atos é um pilar civilizatório. Ao longo de seu governo, Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, adotou medidas sistemáticas que não apenas ignoraram a ciência e os princípios básicos da saúde pública, mas atuaram ativamente para sabotar estratégias de controle da pandemia, atrasar a vacinação, desinformar a população e promover medicamentos ineficazes.
A pergunta que hoje precisa ser feita com seriedade jurídica e política é: essas ações configuram apenas erros administrativos ou constituem crimes contra a saúde pública e a vida?
O que se argumenta é, com base em evidências amplamente documentadas, que Jair Bolsonaro deve ser responsabilizado penalmente por seus atos e omissões durante a pandemia de COVID-19, e que sua prisão seria uma resposta proporcional à magnitude do dano causado à população brasileira.
A morte como política de Estado
A gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro violou princípios constitucionais fundamentais, como o direito à vida, à saúde e à informação. O negacionismo científico não foi apenas uma opinião pessoal do ex-presidente — foi transformado em política pública. A recusa em adotar medidas de distanciamento, a sabotagem do uso de máscaras, o estímulo a aglomerações e a desqualificação das vacinas criaram uma política deliberada de contágio em massa.
Mais de 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas com uma gestão responsável, segundo o relatório da CPI da COVID-19 no Senado Federal.
Vacinas negadas, lucros garantidos
Enquanto o governo recusava ofertas de vacinas da Pfizer, negociava por meio de intermediários contratos superfaturados com empresas como a Precisa Medicamentos (Covaxin). A lógica do lucro acima da vida se sobrepôs ao dever do Estado. Além da irresponsabilidade sanitária, há indícios claros de corrupção em contratos emergenciais, com envolvimento direto de aliados e membros do governo.
Disseminação de desinformação
Bolsonaro utilizou a máquina pública e suas redes sociais para espalhar fake news que desorientaram a população em meio à maior crise sanitária do século. Defendeu cloroquina e ivermectina como “cura milagrosa”, mesmo após alertas da OMS e de estudos científicos apontando a ineficácia e os riscos desses medicamentos. A indução em massa ao uso de medicamentos sem eficácia é uma forma de iatrogenia estatal deliberada.
Ataques ao SUS e ao PNI
O governo Bolsonaro promoveu cortes orçamentários no SUS, desarticulou o Plano Nacional de Imunizações e dificultou a atuação coordenada do Ministério da Saúde, demitindo técnicos e ministros que discordavam da linha negacionista. O resultado foi o colapso de sistemas hospitalares, a escassez de oxigênio em Manaus, e a explosão de mortes evitáveis.
Do crime comum ao crime contra a humanidade
Com base no Código Penal Brasileiro e no Estatuto de Roma, diversos juristas têm argumentado que a conduta de Bolsonaro pode ser enquadrada como:
• prevaricação (Art. 319 CP);
• epidemia com resultado morte (Art. 267 CP);
• crime contra a saúde pública (Art. 268 CP);
• homicídio culposo por omissão imprópria;
• crime contra a humanidade, nos moldes do Tribunal Penal Internacional, dada a escala e a sistematicidade dos atos que resultaram em mortes.
Até a Direita deveria exigir responsabilização
Mesmo setores conservadores que discordam de políticas de esquerda deveriam compreender que a impunidade de Bolsonaro abre um precedente perigoso: se um presidente pode desrespeitar regras mínimas de saúde pública e causar centenas de milhares de mortes sem consequência legal, nenhum governo futuro terá limite.
A prisão de Bolsonaro não é uma vingança política, mas uma defesa institucional da vida, da Constituição e da democracia.
Bolsonaro não foi apenas omisso. Ele foi agente direto da multiplicação de mortes. A história cobra justiça. E a justiça exige que Jair Bolsonaro responda criminalmente pelas consequências de seus atos enquanto chefe de Estado. A prisão do ex-presidente é um imperativo moral, jurídico e histórico para que nunca mais a necropolítica seja aceita como estratégia de governo.

Fabio Alves é médico e professor da Unicamp.
* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.