domingo, 19/10/2025
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Pesquisa Pública

Desmonte neoliberal coloca em risco os institutos de pesquisa de São Paulo

Seminário denuncia desmonte e privatização de institutos de pesquisa em SP, critica o PLC-09 e convoca à mobilização
Seminário discute o ataque aos institutos de pesquisa de São Paulo. Foto: Wanderley Garcia / Radar Democrático
Seminário discute o ataque aos institutos de pesquisa de São Paulo. Foto: Wanderley Garcia / Radar Democrático

Os institutos públicos de pesquisa do estado de São Paulo, pilares centenários do desenvolvimento científico e tecnológico, enfrentam um ataque sem precedentes, impulsionado por políticas neoliberais que visam o esvaziamento, a precarização e a privatização de seu valioso patrimônio e conhecimento.

A denúncia foi o ponto central da quarta mesa que abriu o segundo dia de debates do seminário sobre Negacionismo Científico em São Paulo. com a participação de Helena Dutra Lutgens, presidenta da APqC, e Jorge Luiz Souto Maior, professor de Direito da USP, com mediação de Ricardo Costa Rodrigues de Camargo, presidente do Sinpaf Campinas-Jaguariúna. Eles alertaram para a urgência de uma mobilização coletiva em defesa dessas instituições e dos direitos da classe trabalhadora.

Leia também: Alesp aprova precarização da carreira de pesquisador científico

O seminário foi realizado nos dias 24 e 25 de setembro a partir de uma parceria entre a ADunicamp, o portal Radar Democrático, a APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) e a Seção Sindical Campinas Jaguariúna do Sinpaf (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário).

O Desmonte da Pesquisa Pública e o Avanço Neoliberal

São Paulo abriga 16 institutos públicos de pesquisa nas áreas de meio ambiente, saúde e agricultura, instituições que, segundo Helena Dutra Lutgens, “contribuíram por mais de século com o desenvolvimento científico e tecnológico, com a geração de conhecimento no estado de São Paulo e para o país”.

Leia outras matérias da série:

A missão desses institutos é clara: gerar conhecimento para atender demandas da sociedade e orientar o desenvolvimento de políticas públicas que tragam soluções para a população do estado A APqC, por sua vez, tem como objetivo mestre defender a pesquisa pública de qualidade, que deve ser “isenta de interesses de grupos determinados e, portanto, tem que estar na mão do Estado.”

No entanto, a estrutura de pesquisa está ameaçada pela estratégia neoliberal:

“você enfraquece o serviço, esvazia quadros, vai debilitando a instituição até que essa instituição já não dê conta de prestar o serviço ao qual ela vinha desenvolvendo. E aí você diz, precisa privatizar, precisa acabar, precisa fechar essa instituição, ela já não tem mais um papel fundamental.”

Essa lógica se manifesta na “ausência de concurso” e na “falta de investimento em pesquisa pública”, direcionando a pesquisa para a iniciativa privada “que acaba por desvirtuar esse caminho da pesquisa pública”.

O patrimônio do Instituto Florestal, por exemplo, que inclui “florestas de [plantas] exóticas, de pinos e eucaliptos, que têm um valor financeiro muito alto e que são resultado de anos e anos de pesquisa em silvicultura”, está sendo visto sob uma nova ótica. “E as áreas passam a ter como objetivo a geração de recurso financeiro”, transformando o que antes era pesquisa em “só um patrimônio que tem que ser gerenciado do ponto de vista financeiro”.

Veja a Mesa “Institutos públicos de pesquisa paulistas sob ataque

A justificativa do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), de que “o Estado precisa fazer caixa e que a gente não pode ser patrimonialista, que essas áreas estão ociosas”, é veementemente refutada:

“As áreas não estão ociosas. O que está ocioso? Estão ociosos os diferentes governos que não atendem as demandas, não repõe os quadros, não mantém as instituições vivas, fazem questão de esvaziá-las para depois dizer isso.”

Ameaça à Carreira do Pesquisador Científico e a Falta de Diálogo

A precarização atinge diretamente a carreira de pesquisador científico, em especial com o Projeto de Lei Complementar 09 (PLC-09) do governo de São Paulo e aprovado pela Alesp, que “propõe mudanças na carreira de pesquisador científico”.

A crítica de Helena é contundente: “modernizar significa destruir, aniquilar, acabar.” O projeto foi “criado, mais uma vez, dentro de uma estrutura administrativa por pessoas que não têm nenhum compromisso com a carreira”, sem ouvir a APqC ou o órgão responsável.

As mudanças propostas no PLC-09 “enfraquecem a carreira, tiram a autonomia do pesquisador”, e geram profunda insegurança jurídica, pois pontos cruciais como “a forma de progressão” e o “regime de trabalho” serão “definidos posteriormente por decreto”.

A Luta Ampla da Classe Trabalhadora Contra o Neoliberalismo

O professor Jorge Luis Souto Maior contextualizou a situação dentro de um cenário mais amplo de avanço neoliberal.

“Porque o neoliberalismo essencialmente é isto, é destruir as estruturas de Estado, transformando em estruturas de governo, numa perspectiva de favorecimento de um projeto político imediato, do governo de plantão, mas sempre em conformidade com os interesses econômicos, em primeiro plano.”

Isso leva à precarização generalizada: “a precarização nas relações de trabalho no âmbito privado são experimentos para que depois se chegue no serviço público.” A terceirização, por exemplo, é “um desastre, do ponto de vista de mexer no que é básico na força de resistência da classe trabalhadora, que é a sua união coletiva.”

A desvalorização dos servidores públicos é parte dessa estratégia. “Quanto mais precarizado o setor privado, mais forte é o argumento de que os servidores são, entre aspas, privilegiados.” A luta, portanto, deve ser unificada: “a classe trabalhadora precisa se ver no conjunto e que o interesse de um tem a ver com o interesse de outros.”

O professor alertou para o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF)  que visa declarar trabalhadores de plataforma como autônomos, retirando seus direitos trabalhistas, o que pode se tornar “a generalização das relações de trabalho no Brasil para todas as categorias”.

Ricardo Costa Rodrigues de Camargo, da Embrapa, exemplificou o desmonte.

“a Embrapa também tem sido alvo dessa estratégia da extrema-direita e do neoliberalismo de sucatear, de precarizar, de ir fechando a torneira aos poucos”.

Ele revelou que “nos últimos 10 anos, a Embrapa perdeu cerca de 80% do seu orçamento”, transformando-a em “uma fábrica de entregas”. A desconexão de alguns pesquisadores com a identidade de “classe trabalhadora” é um desafio, pois “muito desse castelo foi construído com base na luta sindical, na luta de classe, da classe trabalhadora.”

Estratégias de Resistência e a Urgência da Mobilização

A mobilização é apontada como o caminho essencial para a mudança. “O momento todo é de mobilização, é assim que as coisas mudam”, afirmou Tereza Lozada Valles, pesquisadora aposentada.

Souto Maior destacou que a mobilização contra a anistia e a PEC da Blindagem “alterou a pauta no Congresso. Enterrou a PEC da pouca vergonha”, mostrando o poder da ação coletiva. Ele criticou a “institucionalização das lutas” e a dependência excessiva de “remédios jurídicos”, defendendo que “chega de nota. Tem que fazer uma greve.”

Apesar das dificuldades de mobilização, a luta deve continuar. “Essa dificuldade de juntar as pessoas… não pode ser um impedimento para nós continuarmos dizendo que precisamos unir a classe trabalhadora como um todo.” A solução, segundo ele, é “sair da bolha” e construir “solidariedade de classe” na prática, não no discurso. “A esquerda perdeu a prática, a esquerda abandonou a classe trabalhadora.”

A interferência política em casos como o da JBS, onde o Ministro do Trabalho e Emprego “avocou o processo” para evitar que a empresa integrasse a “lista suja” de trabalho análogo à escravidão, é um exemplo de como “o judiciário é uma estrutura a favor do poder econômico”. A ação judicial, “se acompanhada de uma mobilização social, tem mais força”, mas “a revolução não se fará por uma petição perante o judiciário.” A venda da unidade de pesquisa em Pindamonhangaba “sem nenhum processo de licitação, sem audiência pública” e a “entrega das terras devolutas para o agro, para os amigos” são exemplos concretos do desmonte do patrimônio público.

A necessidade de “reencantamento” e esperança foi mencionada como crucial para os militantes e para o futuro dos jovens, diante de um cenário onde “a ganância do capital” está “disposta a destruir o planeta para ter uma sobrevida”. A luta pela pesquisa e ensino públicos é, portanto, uma “luta que nós precisamos travar, inclusive para preservar a humanidade”, contra o “avanço do negacionismo” e a “produção de um conhecimento que interessa ao poder público a sua ganância total.”

Radar Democrático
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