Foto: Deputado Jorge do Carmo (fonte – PT Ribeirão Preto)
Em plena COP30, que discute o direito universal à água potável e de baixo custo, denúncias contra a Sabesp por cobranças abusivas expõem o contraste entre o discurso global sobre justiça hídrica e a realidade das políticas do governo do estado de São Paulo.
Por Radar Democrático
Enquanto líderes mundiais, cientistas e representantes da sociedade civil se reúnem em Belém para a COP30 — a conferência global do clima — para discutir como garantir acesso universal à água potável segura e a baixo custo, um episódio em São Paulo expõe o abismo entre o discurso internacional e a prática do governo do estado.
Na contramão do que a comunidade internacional discute como direito humano fundamental, denúncias contra a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) apontam a cobrança de juros de até 6% ao mês em parcelamentos de contas atrasadas via cartão de crédito, além de práticas de cobrança consideradas abusivas. O caso levou o deputado estadual Dr. Jorge do Carmo (PT) a acionar o Ministério Público de São Paulo, pedindo investigação sobre possíveis violações ao direito dos consumidores.
Água como direito e compromisso global
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece desde 2010 que o acesso à água potável e ao saneamento é um direito humano essencial à vida. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu Comentário Geral nº 15, afirma que os Estados devem garantir água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e financeiramente acessível para todos.
Na Agenda 2030, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 reforça a meta de garantir “acesso universal e equitativo à água potável segura e acessível” até 2030. A expressão “acessível” é central — não basta que a água exista; ela precisa caber no orçamento das famílias.
Segundo diretrizes da OMS, UNICEF e OCDE, o custo da água e do saneamento não deve ultrapassar 3% a 5% da renda domiciliar. Quando ultrapassa esse limite, a água deixa de ser um direito para se tornar um fardo financeiro.
Na COP30, o Water for Climate Pavilion integra a agenda “Cidades, Água e Infraestrutura”, reforçando a relação direta entre água, justiça climática e bem-estar social. As discussões apontam para políticas de modicidade tarifária, proteção de mananciais, financiamento climático e tecnologias de baixo custo, como captação de água de chuva, filtros comunitários e saneamento simplificado — especialmente em comunidades vulneráveis da Amazônia e do Semiárido.
O contrassenso do governo paulista: quando a conta da água vira punição
Em meio a esse cenário global de compromisso e solidariedade, o caso Sabesp soa como uma afronta. Em São Paulo — o estado mais rico do país e sede de uma das maiores companhias de saneamento da América Latina — denúncias revelam práticas que encarecem o acesso à água, com juros mensais de 6% sobre parcelamentos e relatos de cobranças em duplicidade ou recusa na emissão de boletos.
De acordo com o deputado Jorge do Carmo, tais práticas “ferem os princípios da modicidade tarifária e da boa-fé, pois o limite legal de multa por atraso é de 2%, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor.”
A denúncia ganha gravidade não apenas por seu impacto direto sobre milhares de famílias, mas por ocorrer no exato momento em que o mundo discute, em Belém, o direito universal à água acessível e de baixo custo.
A contradição é evidente. Enquanto a COP30 busca consolidar compromissos internacionais para garantir água como direito humano, modicidade tarifária e financiamento justo, um dos principais estados do Brasil é acusado de permitir práticas que transformam a água em mercadoria cara e punitiva.
Além de um problema de gestão, trata-se de uma questão ética e política: cobrar juros abusivos sobre a água significa penalizar os mais pobres — justamente aqueles que, segundo as metas globais, deveriam ser os primeiros a serem protegidos.
A COP30 tem repetido uma mensagem simples: água potável de qualidade não pode ser privilégio, nem instrumento de lucro desmedido.
Quando uma concessionária cobra juros abusivos de quem não consegue pagar a conta, o que está em jogo não é apenas o bolso do consumidor — é o próprio sentido do direito humano à água.
Enquanto Belém busca firmar compromissos pela justiça hídrica, o governo de São Paulo oferece um exemplo de como a mercantilização da água desafia esses compromissos.
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