Condenação de Jair Bolsonaro e de militares golpistas, protagonismo do Supremo Tribunal Federal, desafios do governo Lula 3, disputas no campo religioso, crise da segurança pública e impasses ambientais marcaram um dos anos mais decisivos da democracia brasileira.
Por Jornal da Unicamp/Liana Coll, Felipe Mateus/Luis Paulo Silva, Alex Calixto, Paulo Cavalheri
Os acontecimentos de 2025 farão deste ano um dos mais marcantes na história política brasileira. A condenação e a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados militares indicou que há limites que não podem ser cruzados dentro de um regime democrático. Se a anistia aos membros das Forças Armadas que conspiraram contra a democracia foi uma realidade pós-ditadura, a leniência não ganhou espaço em 2025, quando ocorreu o julgamento e teve início o cumprimento das sentenças.
O ex-presidente foi considerado líder de uma organização criminosa formada com o intuito de dar um golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito. O plano golpista, revelaram as investigações, incluía até mesmo o assassinato do presidente eleito e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
O plano, no entanto, não vingou, e Lula teve sua posse garantida. Prestes a entrar no ano final do terceiro mandato, o Jornal da Unicamp entrevistou os organizadores do livro Governo Lula 3: reconstrução democrática e impasses políticos, além de pesquisadores da Unirio, Unicamp e UFMG. A obra, que reúne 55 pesquisadores, foi lançada no 49º encontro da Anpocs, sediado na Unicamp.
Para Fábio Kerche, a condenação envia um recado direto às elites militares: “Não se aventurem novamente”. Já Marjorie Marona ressalta que o STF foi fundamental para estabilizar a política nacional, mas ao custo da exposição do desequilíbrio entre os Poderes.
Ao relembrar a posse de Lula, com movimentos sociais e grupos subalternizados, Luciana Tatagiba destaca o retorno de um pacto republicano de diálogo entre Estado e sociedade civil. Ela aponta a reorganização do campo democrático popular, que enfrenta bloqueios conservadores e a necessidade de priorizar a defesa das instituições democráticas, ameaçadas pelo bolsonarismo.
Ronaldo Rômulo de Almeida analisa os desafios do diálogo entre evangélicos e a esquerda, diante da captura da ideia de cristianismo e família por grupos de direita e extrema direita, defendendo a valorização de referências evangélicas progressistas.
Já Ludmila Ribeiro aponta os desafios da segurança pública, defendendo o enfrentamento às formas de financiamento e operação do crime organizado, e interpreta o apoio popular a operações policiais letais como um pedido de socorro por políticas públicas eficazes.
Sem tolerância com o golpismo
Para Fábio Kerche, a conspiração envolvendo Bolsonaro e setores das Forças Armadas revelou que a democracia brasileira não estava plenamente consolidada. O julgamento, avalia, marca uma ruptura histórica: o Brasil não tolera mais ameaças golpistas.
Não houve reação militar às condenações, o que Kerche interpreta como um sinal positivo de aceitação do resultado eleitoral e judicial. A prisão de Bolsonaro, após tentativa de violar a tornozeleira eletrônica, foi inesperada no roteiro político, mas fundamental para afirmar que não há impunidade para ataques à democracia.
Kerche destaca ainda o papel do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que restabeleceu a sobriedade institucional do cargo, conduzindo um dos processos mais importantes da história recente do país.
STF, o “dique institucional”
Para Marjorie Marona, a responsabilização dos golpistas cria uma “linha divisória” com custo institucional claro, embora não encerre o bolsonarismo, que sobrevive, se adapta e seguirá no cenário eleitoral.
O STF é descrito como peça-chave da estabilidade democrática, atuando contra golpes, fake news e ameaças eleitorais. Ao mesmo tempo, seu protagonismo excessivo gera um paradoxo: é indispensável à democracia, mas expõe o desequilíbrio entre os Poderes.
No governo Lula 3, o país vive um “presidencialismo de redução de danos”, em que o Supremo é acionado para conter retrocessos, mas essa dependência não pode ser normalizada. Para Marona, é necessário reconstruir a confiança política e revitalizar o pacto democrático.
Reconfigurações no associativismo
Luciana Tatagiba observa que o bolsonarismo rompeu a tradição de diálogo com a sociedade civil, retomada simbolicamente na posse de Lula. A reativação de conselhos e instâncias participativas sinaliza compromisso democrático, mas há dificuldades para avançar agendas sociais diante de um campo conservador fortalecido.
Após os ataques de 8 de janeiro de 2023, o campo democrático foi arrastado para a defesa das instituições, reduzindo sua capacidade propositiva. O associativismo tornou-se mais diverso, enquanto o bolsonarismo manteve forte capacidade de mobilização nas ruas.
A nomeação de Guilherme Boulos é vista como tentativa de ampliar a base de mobilização social do governo.
Entre a cruz e as urnas
A relação entre lideranças evangélicas e política é marcada pelo pragmatismo, exemplificado por Silas Malafaia. É essencial romper generalizações e disputar valores cristãos dentro do próprio campo evangélico, fortalecendo referências progressistas.
O antipetismo segue como fator central, mesmo com sinais incipientes de distanciamento do bolsonarismo. O governo busca diálogo priorizando pautas econômicas e sociais, estratégia já usada nos governos Lula anteriores.
“Não existe crime organizado sem corrupção estatal”
Dois modelos opostos de segurança pública marcaram 2025: a Operação Carbono Oculto, focada em inteligência e finanças do crime, e a megaoperação no Rio, marcada por alta letalidade. Para Ludmila Ribeiro, políticas eficazes exigem coordenação federativa, inteligência policial e combate à corrupção estatal.
Ela critica o PL Antifacção como populista e aponta que a flexibilização do acesso a armas no governo Bolsonaro ampliou a violência e a letalidade policial. O apoio popular a ações violentas revela um clamor por soluções estruturais.
Crise do multilateralismo e dilemas da COP30
A COP30 em Belém evidenciou o protagonismo brasileiro, mas também os limites do multilateralismo climático. Apesar de avanços institucionais, não houve medidas concretas para o abandono dos combustíveis fósseis.
Luiz Marques critica a ausência dos EUA, o lobby do petróleo e do agronegócio, e a contradição brasileira ao ampliar a exploração de petróleo, inclusive na foz do Amazonas. A COP, avalia, fracassou como instrumento efetivo, embora tenha fortalecido a voz dos povos indígenas.
Para Marques, o Brasil está “do outro lado da trincheira”, enquanto países como a Colômbia lideram iniciativas mais coerentes com a urgência climática.


