Privatização das recepções de UBS em Campinas
Privatização das recepções de UBS em Campinas

É consenso entre os profissionais e estudiosos da área que trabalhadores que atuam na recepção das unidades de saúde possuem grande protagonismo, haja vista que, na maioria das vezes, são eles os responsáveis pelo primeiro acolhimento do usuário no sistema.

No entanto, esse parece não ser o entendimento do Prefeito de Campinas (SP), Dário Saadi, do partido Republicanos, o mesmo do Governador do estado de São Paulo.
Isso porque, como constatado pelo Radar Democrático, estão ocorrendo três graves problemas que envolvem a recepção nas unidades públicas de saúde de Campinas.

O primeiro problema diz respeito à terceirização desse importante serviço. O segundo se refere à privatização desse serviço. E, o terceiro, que é consequência desses dois problemas destacados anteriormente, diz respeito à formação de trabalhadores de recepção dos serviços públicos de saúde.

Sobre a terceirização da recepção, como destacado por Paulo Mariante, Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Campinas, o problema deve-se à substituição da IMA (Informática de Municípios Associados, que é uma empresa de economia mista cujo maior acionista é a Prefeitura de Campinas), que era quem contratava recepcionistas para as unidades de saúde, por uma empresa de capital cem por cento privado. Mesmo sendo precária e questionável a atuação da IMA em relação à contratação desses profissionais para a recepção, era possível questionar e pressionar diretamente a empresa, por ser de capital misto, utilizando os meios normativos próprios aos conselhos de representação pública (como o Conselho Municipal de Saúde).

Com a substituição da IMA por uma empresa privada, o segundo problema elencado, a situação do acolhimento inicial dos usuários nos serviços de saúde, que já estava bastante precária, tem se agravado. Isso ocorre porque a privatização tem, essencialmente, aumentado a precariedade das condições de trabalho dos profissionais que atuam na recepção dos serviços.

Em janeiro de 2025 a Prefeitura de Campinas firmou novo contrato no valor de R$ 30 milhões, que terá validade de 30 meses, com a empresa RM Consultoria e Administração de Mão de Obra, localizada na cidade de Extrema-MG, para a “contratação e prestação de serviço de recepção no atendimento de usuários nos centros de saúde, unidades de referência e especialidades” para a rede pública de saúde do Município.

Se com a IMA os recepcionistas já tinham uma remuneração mensal mais baixa se comparada à de trabalhadores estatutários (servidores públicos, que exercem essa mesma função), com a troca por uma empresa privada o salário médio desses trabalhadores está ainda menor, como destacado por Paulo Mariante. Segundo ele, há relatos de recepcionistas que dizem que seus salários são de cerca de R$1.600,00 mensais. Ou seja, o processo de privatização do acolhimento inicial nos serviços tem incidido de modo muito perverso sobre os trabalhadores de recepção.

Esse processo de, primeiro, terceirizar para, na sequência, privatizar a prestação do serviço tem resultado no problema da formação e capacitação dos trabalhadores que atuam na recepção das unidades.

No último dia 22 de fevereiro, o Movimento Popular de Saúde de Campinas (MOPS) realizou ato em praça pública de Campinas em que denunciou, entre outros problemas do sistema público de saúde do Município, o relacionado à capacitação dos trabalhadores, que se reflete em “informações incompletas e falta de empatia nas recepções e acolhimento” das unidades.

Segundo Nayara Oliveira, militante do MOPS (Movimento Popular de Saúde) e aposentada da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, a privatização faz com que os recepcionistas sejam admitidos nos serviços sem que tenham o treinamento necessário para o exercício dessa função, que requer um conhecimento complexo dos fluxos e processos de trabalho do serviço, além de uma postura de sensibilidade e acolhimento. Um problema para Nayara Oliveira, é que os coordenadores e equipes das unidades de saúde não podem fornecer formação em serviço a esses trabalhadores.

Isso ocorre porque, de acordo com o Termo de Referência (documento que compõe os editais públicos de contratação de prestadores de serviços) elaborado para a contratação de prestação do serviço de recepção nas unidades, é, por um lado, responsabilidade da empresa “manter funcionários devidamente treinados para o exercício de suas obrigações”. E, por outro lado, o Poder Executivo Municipal reservou a si “o direito, durante a execução contratual, de realizar treinamentos para aprimorar o fluxo de trabalho nas unidades de saúde”. Porém, isso não tem ocorrido, segundo Nayara Oliveira, o que tem prejudicado imensamente o atendimento nas unidades de saúde, haja vista que nenhum dos entes contratuais vem cumprindo com essas suas obrigações. Esse tipo de formação e ou apoio continuados são imprescindíveis para realização de um trabalho extremamente exigente como esse.

Esse mesmo processo de privatização, que começa pela terceirização de algumas funções, como as de recepção, por exemplo, também está sendo intensificado nas unidades públicas de saúde do estado de São Paulo, sob gestão do governo estadual.

Em comunicados e artigos, o SindSaúde-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado de São Paulo) vem repudiando a entrega de serviços públicos de saúde do estado para o setor privado. No estado, as unidades estão sendo entregues para serem geridas por Organizações Sociais de Saúde.

Por fim, vale ressaltar que chama a atenção nesse processo de privatização que a empresa contratada pela Prefeitura de Campinas para prestar o serviço de contratação de pessoal para a recepção dos serviços públicos de saúde do Município tem registrado como sódio proprietário um ex-vereador de Extrema (MG).

Chama a atenção também, nesse processo de privatização do serviço, o fato de que cinco vereadores da base aliada do prefeito repassaram juntos, por meio de emendas parlamentares impositivas, R$ 1.494.000,00 à contratação e prestação de serviço de recepção no atendimento de usuários nos centros de saúde, unidades de referência e especialidades. Esse montante de recursos foi pago à empresa no início de fevereiro deste ano. Mas, os recursos haviam sido emprenhados ao longo do ano de 2024.

O acolhimento inicial nas unidades públicas de saúde deve estar voltado a ampliar o acesso e concretizar a missão constitucional da atenção primária à saúde no SUS por ser a principal “porta de entrada” do sistema, como enfatizado por Charles Tesser, Paulo Neto e Gastão Wagner (em “Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família”). Portanto, discutir as questões que envolvem a recepção e acolhimento dos usuários das unidades de saúde é fundamental para a promoção da saúde da população.

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* Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Radar Democrático.

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