
Desde o início de sua gestão, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vem adotando medidas que têm provocado apreensão entre donos de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). A preocupação central: políticas públicas que ameaçam a sobrevivência e a competitividade desses negócios.
Fim do ICMS especial para bares e restaurantes
Uma das decisões mais polêmicas do governo paulista foi a renovação do regime especial de ICMS para bares e restaurantes, que vigorava há mais de três décadas. Com isso, a alíquota, que era de 3,2%, poderia saltar para até 12%.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) foi quem alertou que o fim do benefício resultaria em aumentos expressivos no preço das refeições, fechamento de estabelecimentos, mais desemprego e crescimento da informalidade.
A forte reação do setor resultou em uma negociação intensa com o governo, levando à publicação do Decreto nº 69.314, de 16 de janeiro de 2025, que fixou a nova alíquota em 4% sobre a receita bruta.
No entanto, o fim do regime especial expõe um cenário de incerteza: os reajustes futuros da alíquota passam a depender de disputas e acordos políticos, gerando insegurança e instabilidade para o setor.
“São Paulo na Direção Certa”: cortes que geram insegurança
Em 2024, o governo lançou o plano “São Paulo na Direção Certa”, cujo foco foram cortes ou revisões dos benefícios fiscais concedidos a empresas. Especialmente para os pequenos negócios, esses cortes e revisões geram incertezas, pois são eles os que mais dependem desses mecanismos para manter competitividade.
Entre as mudanças que mais afetaram as MPMEs, destacam-se:
• Produtos de couro e derivados: a redução do ICMS foi mantida apenas para fabricantes (18% de redução). Desde 1º de janeiro de 2025, atacadistas perderam a alíquota reduzida (de 18% para 12%). O impacto atinge diretamente empresas que comercializam sapatos, bolsas, cintos e carteiras.
• Alimentos e insumos agrícolas: isenções para produtos como cebola, alho, mandioca e areia não foram renovadas, afetando produtores e comerciantes locais.
• Equipamentos didáticos e médico-hospitalares: a isenção para transporte interestadual desses itens, destinados ao Ministério da Educação, foi encerrada, prejudicando fornecedores de instituições públicas.
• Produtos de higiene e saúde: isenções para itens como preservativos também acabaram, afetando produtores e distribuidores.
• Outros setores atingidos: desde moluscos e pós-larva de camarão até máquinas de radiodifusão, passando por equipamentos ferroviários, mercadorias para museus e até veículos militares.
Crédito pouco acessado: falha de comunicação e contexto desfavorável
Na tentativa de estimular o empreendedorismo no centro da capital, o governo criou o programa “Desenvolve Centro”, com linhas de crédito a partir de 0,43% ao mês, acrescidos de IPCA, e prazos de até 120 meses, com carência de até 36 meses.
Mas a proposta falhou em ganhar projeção. Segundo matéria da Folha de São Paulo, muitos empresários locais desconheciam a existência do programa ou tinham apenas uma vaga lembrança dele, o que sugere que a divulgação foi insuficiente para alcançar o público-alvo de forma eficaz.
Além disso, o processo de obtenção do crédito pode ter sido um fator desestimulante. A Desenvolve SP, por ser uma agência de fomento, possui critérios rigorosos de análise, o que pode dificultar o acesso ao crédito para empresários que não possuem garantias reais suficientes.
Desmonte na política de internacionalização
Outra decisão que gerou críticas foi a extinção da Secretaria de Negócios Internacionais, cujas funções foram absorvidas pela Casa Civil e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Na prática, essa mudança complica a sobrevivência de pequenas e médias empresas que buscam expandir fronteiras e acessar mercados internacionais.
Publicação do IPEA, sobre empresas brasileiras e o comércio exterior, destaca a importância fundamental de órgãos e programas públicos especializados para apoiar a internacionalização das pequenas e médias empresas.
A publicação evidencia que esses órgãos são essenciais para capacitar, orientar e prestar assistência técnica a esse setor, ajudando-o a superar desafios típicos, como burocracia complexa, altos custos financeiros, exigências de garantias e falta de conhecimento sobre instrumentos de financiamento.
A ausência ou desestruturação desses órgãos especializadas pode agravar as dificuldades dessas empresas para expandir seus negócios internacionalmente, comprometendo sua competitividade.
Risco à sustentabilidade das MPMEs
Como alerta Sergio Miletto, presidente da Alampyme-BR (Associação Latino-americana de Micro, Pequenas e Médias Empresas, Capítulo Brasil):
“A Constituição Brasileira prevê tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas. Porém, quando olhamos para os programas de financiamento e as taxas de juros dos planos governamentais destinados ao segmento, vemos que aquilo que preconiza a Constituição não é colocado em prática pelos governos.”
Em São Paulo, a gestão Tarcísio de Freitas parece confirmar esse padrão: revisão de benefícios sem critérios transparentes, programas de crédito mal divulgados e desestruturação de políticas de apoio. O resultado é um ambiente de negócios mais hostil, que não apenas dificulta a operação das MPMEs, mas ameaça sua própria sobrevivência.
Como destacado por Miletto, o futuro das pequenas e médias empresas paulistas depende, mais do que nunca, da capacidade de articulação política do setor e da revisão de estratégias públicas que, ao invés de restringir, promovam o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável.
* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.