
“O importante é ter saúde, o resto a gente corre atrás.” Este ditado popular reflete duas realidades fundamentais para os brasileiros: a saúde é prioridade máxima, alicerce da vida das famílias e das comunidades, mas ainda assim, o acesso ao serviço público de saúde figura entre as preocupações mais prementes.
Apesar dos avanços conquistados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente em sua amplitude e cobertura, persistem entraves estruturais que comprometem sua efetividade. A gestão do sistema, particularmente no que diz respeito à regulação da atenção de média e alta complexidade, traduz‐se em longas esperas por leitos, cirurgias e exames especializados. Nesse cenário, a fila do Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde) é uma dura realidade para milhares de paulistas.
Cross – ferramenta essencial, gargalo persistente
O Sistema Cross, instituído em 2010, organiza demandas por consultas, exames, leitos, cirurgias e outros procedimentos no Estado de São Paulo. Embora seja instrumento de regulação, não cria ou oferece os serviços – esse papel cabe às unidades de saúde locais.
Dados oficiais revelam dimensão alarmante da espera. Segundo a Comissão Intergestores Bipartite do Estado de São Paulo, cerca de 4,6 milhões de usuários constavam em listas de espera no Siresp/Cross entre 2007 e 2024. A distribuição anual dessa demanda foi:
- 310 mil inclusões entre 2007 e 2019
- 195 mil em 2020
- 285 mil em 2021
- 710 mil em 2022
- 2 milhões em 2023
- 1,1 milhão em 2024
Desse total, 43% das solicitações eram para consultas especializadas, 48% para exames diagnósticos e 9% para avaliação ou procedimentos cirúrgicos eletivos ResearchGate.
A Frente Parlamentar do Sistema Cross/SUS
Reconhecendo a gravidade do problema, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) instalou, em abril de 2023, a Frente Parlamentar do Sistema Cross/SUS. Com o apoio inicial de 43 parlamentares, a iniciativa mobilizou prefeitos, secretários de saúde, profissionais do SUS, usuários e movimentos sociais em torno de mudanças estruturais e regulatórias.
A força dessa articulação reside no entrelaçamento entre o saber sanitarista — o “téchne” da saúde coletiva — e o compromisso ético-político, instrumento de disputa pública e garantia do direito à saúde.
Ações legislativas estratégicas.
Duas propostas importantes estão em gestação:
- PL 373/2025: determina que o Governo do Estado envie mensalmente ao Ministério Público a lista de pacientes aguardando atendimento no Cross, fortalecendo a transparência e o controle social;
- PL 414/2025: estabelece uma lista prioritária para pacientes em estado gravíssimo, garantindo resposta mais rápida a quem mais necessita.
Acolhimento da população: audiências públicas em movimento
Reconhecendo a importância da escuta cidadã, a Frente tem promovido audiências públicas em diversas regiões: na capital (Alesp), Campinas, Santa Bárbara d’Oeste, Hortolândia, Piracicaba, Registro, Conchal e Cordeirópolis. Em breve, serão realizados eventos em Araçatuba, Pontal do Paranapanema e Vale do Paraíba.
Esses espaços têm permitido que gestores, profissionais de saúde, conselheiros e usuários relatem sua experiência e sugiram soluções. As constantes demandas por regionalização dos serviços e transparência sobre o Cross delineiam os eixos do debate.
Avanços conquistados
A atuação da Frente já produziu resultados concretos e simbólicos:
- colocou a fila CROSS no centro do debate público;
- fortaleceu o controle social sobre regulação e políticas de acesso;
- alavancou projetos de lei que promovem transparência e prioridade ética;
- consolidou uma rede estadual de diálogo sobre a regulação da saúde.
Um SUS mais justo, transparente e participado
A Frente Parlamentar do Cross demonstra que é possível construir políticas públicas com base científica, participação social e compromisso político. Ela transforma o sofrimento e o diagnóstico em proposições concretas — uma sinalização de esperança para um SUS mais transparente, justo e efetivo.
Ana Perugini é deputada estadual e coordenadora da Frente Parlamentar do Sistema Cross/SUS na Alesp.
Fabio Alves é médico sanitarista e professor da Unicamp.