Entre cortes e resistência, pesquisadoras e pesquisadores de São Paulo reafirmam que o combate à crise climática começa com o fortalecimento das instituições científicas e do compromisso com o bem comum.
Por Radar Democrático
O ar que você respira, a água que chega à sua torneira e as florestas que ajudam a regular o clima nas cidades têm algo em comum: o trabalho silencioso de pesquisadoras e pesquisadores científicos do Estado de São Paulo.
Neste mês de novembro, essa categoria celebra 50 anos de existência, marcando meio século de dedicação à ciência pública e ao bem-estar coletivo.
Ciência pública a serviço da vida
Instituída pela Lei Complementar nº 125, de 18 de novembro de 1975, a carreira de pesquisador científico do Estado de São Paulo consolidou um modelo pioneiro de produção de conhecimento técnico-científico a serviço da sociedade.
No contexto da COP30, quando o mundo se volta à Amazônia para discutir o futuro do planeta, o exemplo das pesquisadoras e dos pesquisadores paulistas ecoa como um chamado à ação. Em um momento em que a crise climática já ameaça vidas, ecossistemas e economias, é a ciência pública que mostra o caminho da reconstrução: proteger florestas, recuperar nascentes, garantir segurança alimentar e fortalecer políticas baseadas em evidências. As soluções para o aquecimento global não virão apenas das grandes cúpulas internacionais, mas também do trabalho diário e comprometido de quem produz conhecimento científico para o bem comum. Defender as instituições científicas é, portanto, defender o próprio direito de respirar, beber água limpa e viver em equilíbrio com a natureza.
Ao longo de sua trajetória, a carreira de pesquisador científico consolidou uma ampla rede de institutos públicos que atuam em diferentes áreas do conhecimento. Entre eles estão o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o Instituto Biológico (IB), o Instituto de Pesca (IP), o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), o Instituto de Zootecnia (IZ) e o Instituto de Economia Agrícola (IEA), voltados à pesquisa agropecuária e alimentar; o Instituto de Botânica (IBt), o Instituto Geológico (IG), o Instituto Florestal (IF) e, mais recentemente, o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), dedicados ao estudo e à conservação dos ecossistemas paulistas; além do Instituto Adolfo Lutz (IAL) e do Instituto Butantan, referências nacionais em saúde pública e produção de imunobiológicos, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que atua em inovação e desenvolvimento industrial.
Nas últimas cinco décadas, pesquisadores e pesquisadoras estaduais formaram gerações de cientistas, realizaram levantamentos pioneiros sobre a biodiversidade paulista, estudaram ecossistemas, desenvolveram técnicas de reflorestamento e forneceram a base de conhecimento que orienta políticas públicas ambientais em todo o país.
História de protagonismo
A tradição paulista em pesquisa científica remonta ao século XIX, com iniciativas como a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, criada em 1886, que lançou as bases do conhecimento sobre o território e os recursos naturais do estado.
A partir dessa experiência, foram estruturados, ao longo do século XX, institutos públicos especializados que se tornaram referências no Brasil e no mundo.
Esses centros foram responsáveis por inventariar florestas, identificar novas espécies, mapear bacias hidrográficas e desenvolver tecnologias de restauração ecológica — atividades essenciais para o manejo sustentável e para o enfrentamento das mudanças climáticas.
Ciência que impacta o cotidiano
O trabalho das pesquisadoras e pesquisadores científicos está presente em aspectos simples da vida cotidiana — ainda que, muitas vezes, de forma invisível.
Com as pesquisas por eles desenvolvidas, mananciais de abastecimento foram protegidos, que se descobriram plantas medicinais nativas, que se desenvolveram programas de manejo sustentável e que o Estado passou a ter dados técnicos para planejar o uso do solo, evitar enchentes e monitorar a qualidade da água e do ar.
Nos laboratórios e campos experimentais dos institutos públicos de pesquisa, nasceram descobertas e inovações que moldam a vida de milhões de pessoas. O Instituto Agronômico de Campinas (IAC), por exemplo, desenvolveu mais de mil cultivares agrícolas — entre elas variedades de feijão, batata, citros e cana-de-açúcar mais produtivas e resistentes —, garantindo alimentos de qualidade e fortalecendo a agricultura nacional. O Instituto Butantan, referência mundial em saúde pública, é responsável pela produção de vacinas e soros que salvam vidas diariamente e, mais recentemente, pela identificação de moléculas promissoras para testes de diagnóstico de zika e outras doenças emergentes.
O Instituto Florestal, por sua vez, produziu metodologias pioneiras de restauração ecológica e mapeamentos que orientam a recuperação de áreas degradadas e a proteção de bacias hidrográficas — ações fundamentais para a prevenção de deslizamentos e a segurança hídrica. Já o Instituto de Pesca desenvolveu tecnologias de aquicultura sustentável, como a criação de camarões marinhos em água salinizada longe do litoral, ampliando oportunidades produtivas e reduzindo impactos ambientais.
Em tempos de COP30, o conhecimento acumulado por esses pesquisadores e pesquisadoras é essencial para proteger vidas, garantir segurança alimentar, preservar os ecossistemas e orientar políticas públicas baseadas em evidências. É a ciência pública, construída coletivamente ao longo de décadas, que transforma o conhecimento em bem-estar cotidiano.
Desafios e resistência
Nos últimos anos, porém, os pesquisadores e pesquisadoras vêm enfrentando cortes orçamentários, fusões de institutos e perda de autonomia científica por parte do governo do estado de São Paulo.
O “Diagnóstico da desestruturação da Pesquisa Científica Ambiental e do Sistema de Áreas Protegidas do Estado de São Paulo”, livro publicado pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), alerta para a desestruturação da pesquisa científica ambiental e do sistema de áreas protegidas — um risco direto à capacidade do Estado de conservar a sociobiodiversidade e de formular políticas públicas baseadas em evidências.
Mesmo diante desse cenário, o livro ressalta o protagonismo e a resistência dos cientistas públicos, que seguem desenvolvendo pesquisas, orientando políticas, formando novas gerações e se mobilizando em defesa da ciência e das instituições que servem ao interesse coletivo.
50 anos: celebrar o passado, defender o futuro
A comemoração dos 50 anos da carreira de pesquisador científico é, ao mesmo tempo, um tributo à ciência pública e um chamado à sua valorização.
Fortalecer a carreira de pesquisadora e pesquisador científico significa cuidar do ar, da água, das florestas e da qualidade de vida das futuras gerações.
A ciência feita nos institutos paulistas não é abstrata: ela protege o que é essencial e pertence a todos.
Reconhecer o valor desses profissionais é reconhecer que a pesquisa pública é uma forma de serviço essencial à vida — tão vital quanto o sistema de saúde, a educação e a segurança.
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