A COP30 começa no Brasil e coloca a proteção da ambiental no centro do debate. Mas o governo paulista vai na contramão das pautas ambientais e científicas que o país promete defender em Belém.
Por Radar Democrático
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) começa hoje, 10 de novembro de 2025, em Belém do Pará, marcando um momento histórico para o Brasil. É a primeira vez que o país sedia uma COP — e justamente no coração da Amazônia, um dos biomas mais estratégicos do planeta para conter o aquecimento global.
A conferência, que reúne representantes de mais de 190 países, chefes de Estado, cientistas e organizações da sociedade civil, consolida o governo federal brasileiro como anfitrião da agenda climática mundial. Sob a presidência brasileira, a COP30 busca transformar o país em um modelo global de transição ecológica, discutindo proteção das florestas, governança climática, bioeconomia, ciência e tecnologia ambiental, além de financiamentos internacionais para conservação e adaptação.
Entre as principais pautas destacadas pelo governo brasileiro e pelo secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC) estão:
- Proteção da natureza e da biodiversidade, com atenção especial à Amazônia e ao Cerrado;
- Restauração ecológica e soluções baseadas na natureza;
- Governança e justiça ambiental, com fortalecimento das instituições públicas e da participação científica;
- Planejamento de infraestrutura verde compatível com metas de mitigação climática;
- Ciência e inovação tecnológica para monitoramento ambiental;
- Financiamento climático e mecanismos de compensação por serviços ecossistêmicos.
Esses temas buscam alinhar a política nacional às metas do Acordo de Paris, que estabelece o limite de 1,5 °C para o aquecimento global.
Mas, enquanto o governo federal se apresenta ao mundo como líder ambiental e anfitrião da conferência climática mais importante da década, o governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), dá passos na direção contrária — desafiando decisões judiciais, ameaçando ecossistemas remanescentes e enfraquecendo instituições científicas estaduais.
Estação experimental de Itapetininga: símbolo da contramão
No fim de outubro, como destaca publicação da APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo), o juiz Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital, reconheceu que o governo paulista descumpriu uma liminar — mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) — que proíbe a venda, cessão ou concessão de 37 estações experimentais de pesquisa administradas pela Fundação Florestal. Entre elas está a Estação Experimental de Itapetininga.
Essas áreas, criadas e mantidas pelo antigo Instituto Florestal, têm papel central na pesquisa sobre conservação, manejo florestal e mudanças climáticas. No caso de Itapetininga, a área tem cerca de 6,7 mil hectares, sendo mais de 2,4 mil de vegetação nativa — floresta estacional semidecidual e savana — e considerada relevante para a proteção de espécies típicas do Cerrado.
Apesar da decisão judicial, o governo estadual anunciou publicamente a intenção de construir um aeroporto em cerca de 100 hectares da Estação no município de Itapetininga. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o secretário de Agricultura e Abastecimento, Guilherme Piai, aparece ao lado do governador Tarcísio de Freitas e do prefeito Jeferson Brun comemorando o projeto, mesmo sob proibição judicial.
O juiz Koyama reagiu e comunicou à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e à direção da Fundação Florestal que cumpram integralmente a liminar, sob pena de sanções civis e criminais.
O cerrado paulista: bioma em colapso e pauta da COP30
O caso ganha ainda mais relevância porque a Estação de Itapetininga está no bioma Cerrado — hoje o mais ameaçado de São Paulo. De acordo com o Inventário Florestal do Estado de São Paulo 2020, restam apenas cerca de 3% da cobertura original do Cerrado no estado. Segundo a APqC, que atua como amicus curiae no processo, apenas uma fração mínima dessas áreas está sob proteção integral.
A COP30, por sua vez, coloca o Cerrado e a Amazônia no centro da agenda global, reconhecendo que ambos são vitais para o equilíbrio climático, o ciclo das chuvas e a segurança alimentar. O Brasil assumiu o compromisso de “zerar o desmatamento até 2030” e de ampliar a proteção dos ecossistemas savânicos, hoje ameaçados pela expansão agrícola e pela infraestrutura sem planejamento ambiental.
Nesse contexto, o episódio de Itapetininga simboliza uma contradição: enquanto o Brasil sedia a conferência global sobre a proteção da natureza, o governo paulista promove medidas que colocam em risco remanescentes únicos do Cerrado e a pesquisa científica que os sustenta.
Governança e justiça ambiental: discurso e prática
A COP30 dedica parte de sua programação à Governança Climática e Justiça Ambiental, temas que enfatizam transparência, participação social e respeito às instituições científicas e judiciais. Em contraste, o governo paulista expõe uma postura de afronta ao Judiciário e de tentativa de contornar decisões legais.
Neste caso, deve ser lembrado que, já na infância, aprendemos que os bons exemplos começam dentro de casa. Que a verdadeira credibilidade de nossas ações depende da coerência entre nosso discurso e nossa prática.
Ciência pública: o pilar ignorado
Outro pilar da COP30 é a valorização da ciência e tecnologia como base das políticas ambientais. As estações experimentais paulistas — herança do Instituto Florestal — produzem dados fundamentais sobre carbono, biodiversidade e manejo da vegetação nativa.
Ao tentar alienar essas áreas e reduzir a estrutura científica que as sustenta, o governo Tarcísio enfraquece justamente o conhecimento que embasa as políticas climáticas do país.
Em Belém, a COP30 promete deixar um “legado verde” ao Brasil — integrando biomas, fortalecendo a ciência e promovendo uma transição ecológica justa.
Em São Paulo, o governo Tarcísio parece insistir na velha política do fato consumado, na retórica da eficiência privatista e na erosão do patrimônio científico público.
Enquanto o país recebe aplausos internacionais por sediar a conferência do clima, o Estado mais rico da federação se coloca em desacordo com os princípios que sustentam o protagonismo ambiental brasileiro.
Para a COP, 30. Para o governo Tarcísio, nota?
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