sexta-feira, 21/11/2025
Notícias que São Paulo precisa

Para onde vão os recursos das renúncias fiscais?

Foto: Cesar Minto e Rubens Camargo/Redes sociais dos professores.

Receba nossas notícias

As consequências das renúncias fiscais para a educação, a saúde e o equilíbrio do fundo público em São Paulo.

Por Cesar Minto e Rubens Camargo

A renúncia de receitas, ou renúncia fiscal, é permitida no país, mas precisa ser aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), com demonstração de impacto, estabelecimento de onde virá o equivalente aos recursos renunciados, definição de quem são as(os) beneficiadas(os) e por quanto tempo. Essas condições estão previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei Geral de Licitações e Contratos. Nas peças orçamentárias, as renúncias aparecem como “gastos tributários”.

Cabe lembrar que os recursos arrecadados da população, em especial na forma de impostos, taxas e contribuições, constituem o fundo público, e que os governos não são proprietários das receitas desse fundo, mas apenas seus administradores em nome da sociedade — o que requer responsabilidade ética e total transparência das operações realizadas. Cabe aos Tribunais de Contas exercerem a fiscalização dessas atividades.

Mas, para que tudo isso funcione a contento, é essencial haver controle social; daí a importância de acompanhar regularmente as peças de planejamento orçamentário do Estado: o Plano Plurianual (quadrienal, sempre no segundo ano de cada governo), a LDO (anual, primeiro semestre) e a LOA (anual, segundo semestre). A presença da população nas casas legislativas contribui para inibir eventuais favorecimentos a setores sociais com maior poder de influência, em um país que ainda não regulamentou a ocorrência de lobby, como vários outros já o fizeram.

É oportuno lembrar ainda que o atendimento dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal (CF-88) — educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados — depende do uso que se faz do fundo público. Ou seja, é parte desse fundo que é utilizada (ou não) para a materialização dos direitos sociais.

Para uma melhor compreensão do uso do fundo público, deve-se considerar: 1) sua composição e 2) sua destinação. Esses dois aspectos estão sempre sujeitos a disputas entre diferentes grupos ou classes econômicas e sociais em defesa de seus interesses. E, não raro, ocorrem práticas nada republicanas, devido a inúmeras distorções tanto na composição quanto na destinação do fundo público. Daí ser essencial o controle sobre o que e de quem se arrecada e o quanto se gasta ou, ainda, para quem se destina.

Quanto à composição, destaca-se a sonegação, em geral por grupos sociais que atuam com recursos não alcançáveis pela tributação ou omitem dados nas declarações de renda. Há sonegadores frequentes que são beneficiados periodicamente por “Refis”, refinanciamentos de dívidas. E há também a massa assalariada, que tem o imposto retido na fonte e, junto com a população mais pobre, constitui o grupo que proporcionalmente mais contribui para o fundo público, devido ao sistema tributário do país, que é muito regressivo e privilegia a incidência sobre o consumo, tratando igualmente pobres e ricos.

Há ainda os mecanismos de isenção ou de renúncia fiscal adotados pelos governos (federal, estaduais, distrital e municipais), os “gastos tributários” relativos a determinadas funções nas peças orçamentárias. Assim, por um lado, há renúncias de receitas que agregam valor à sociedade; por outro, existem isenções fiscais que apenas atendem a lobbies de setores sociais com maior poder de influência, que, de tão frequentes, estimulam o não pagamento regular de tributos, aviltando quem paga impostos em dia e predispondo outros setores a práticas de “levar vantagem”.

Quanto à destinação do fundo público, entre os principais problemas destaca-se o favorecimento de empresas privadas via superfaturamento de serviços, obras e materiais e burla de licitações públicas. Na educação, tem sido frequente o recurso a assessorias, consultorias e aferições de desempenho de instituições e estudantes, via exames de larga escala, que distorcem o sentido do direito à educação, bem como a compra de “sistemas de ensino”, com apostilas, plataformas e outros “produtos pedagógicos”.

No estado de São Paulo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias 2026 (Lei 18.178/2025) prevê destinar do ICMS – Total (Gastos Tributários): R$ 78,7 bilhões em 2026, R$ 83,5 bilhões em 2027 e R$ 88,6 bilhões em 2028. E, conforme o Projeto de Lei 1.036/2025 (PLOA 2026), em tramitação na Assembleia Legislativa, para uma previsão orçamentária de R$ 382 bilhões no próximo ano, há também a previsão de destinar R$ 33,3 bilhões para a Secretaria da Educação (Seduc), R$ 37,7 bilhões para a Secretaria da Saúde e R$ 17 bilhões para as universidades estaduais: Unesp, Unicamp e USP.

Ou seja, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) – Felício Ramuth (PSD) pretende, para o próximo ano, abrir mão de um montante maior de recursos em “gastos tributários” do que o previsto para ser destinado às áreas da Educação e da Saúde juntas — as duas únicas áreas que, não por acaso, têm recursos vinculados por força constitucional, uma conquista social realizada a duras penas.

Mais ainda: em 2026 o governo paulista pretende abrir mão de um montante de recursos (R$ 85,6 bilhões) quase equivalente ao previsto para ser destinado à Educação, à Saúde e às universidades estaduais (R$ 88 bilhões). Além disso, pretende conceder uma renúncia de recursos que significa cinco vezes o que vai destinar ao ensino superior público estadual, conforme verificado na tabela anterior.

Verifica-se na tabela que a previsão feita pelo governo paulista é abrir mão de 22,4% — ou pouco mais de 1/5 — do que se prevê arrecadar (R$ 382,3 bilhões) em 2026, enquanto as destinações previstas para a Unesp (0,9%), Unicamp (1,0%), USP (2,5%) e Centro Paula Souza (1,0%) — que reúne as escolas técnicas de nível médio (Etecs) e as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) — somam parcos 5,4% do orçamento previsto, o que revela o “zelo” do governo para com essas instituições.

O boletim Renúncia de Receita, Desvinculação Constitucional, Mercado de Trabalho e Impacto Financeiro, do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp, p. 13), afirma corretamente que “se por um lado a CF-88 busca conferir proteção social ao cidadão, por outro, o custo da política de renúncia tributária para a educação, saúde e universidades paulistas é expressivo. Em suma, a educação paulista, em 11 anos [2008-2019], perdeu R$ 43,6 bilhões, as universidades R$ 13,9 bilhões e a saúde R$ 17,4 bilhões”. No caso, durante os governos de Serra–Goldman (2007-2010), Goldman (2010), Alckmin–Afif Domingos (2011-2014), Alckmin–França (2014-2018), França (2018), Doria–Garcia (2019-2022).

Essa política de renúncia fiscal do governo paulista, conforme previsão de suas peças orçamentárias, concorre com o atendimento aos direitos sociais no estado, penalizando sobretudo a população mais pobre. Argumentamos que ela não pode ser normalizada.

Isso posto, a resposta à questão do título demanda responder também a outras perguntas inevitáveis: as renúncias de receitas seriam mesmo necessárias? Por quê? O que justificaria o sigilo fiscal das(os) beneficiadas(os)? Quem ganha com as renúncias fiscais? E, em especial, não seria mais do que lícito tributar a riqueza e financiar adequadamente os serviços públicos que constituem direitos de todas as pessoas?

Cesar Minto é professor aposentado da Faculdade de Educação da USP

Rubens Camargo é professor aposentado da Faculdade de Educação da USP

Rogério Bezerra
Rogério Bezerrahttps://gravatar.com/creatorloudly177c571905
Geógrafo, Mestre, Doutor e Pós-doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Foi Diretor de Pesquisa Aplicada da Fundacentro. Coordenador do Movimento Pela Ciência e Tecnologia Pública. Atua especialmente em temas relacionados à análise e avaliação de políticas públicas.

FAÇA UM COMENTÁRIO

Por favor, escreva seu comentário!
Por favor, escreva seu nome

Últimas notícias

A cor da violência: a desigualdade racial nos assassinatos em São Paulo

  Em termos de aumento, São Paulo registrou o maior...

“Territórios Negros: mapeamento dos territórios, organizações e fatos históricos da população negra de Campinas”

Foto: vereadora Guida Calixto/Assessoria de Comunicação da vereadora.  HQ “Territórios...

Para Tarcísio de Freitas, direitos das mulheres não são prioridades: recursos da Delegacia da Mulher de Piracicaba desaparecem do orçamento

Foto: Vereadora Rai de Almeida/Assessoria de Comunicação da Veradora.  Enquanto...

Por que Derrite quer tanto enfraquecer a Polícia Federal?

 Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil  Guilherme Derrite (PP-SP), Secretário de Segurança Pública...

Tarcísio corta 54,4% do orçamento da Secretaria de Políticas para a Mulher

 Mesmo com a violência contra mulheres em alta e...

Topics

A cor da violência: a desigualdade racial nos assassinatos em São Paulo

  Em termos de aumento, São Paulo registrou o maior...

“Territórios Negros: mapeamento dos territórios, organizações e fatos históricos da população negra de Campinas”

Foto: vereadora Guida Calixto/Assessoria de Comunicação da vereadora.  HQ “Territórios...

Por que Derrite quer tanto enfraquecer a Polícia Federal?

 Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil  Guilherme Derrite (PP-SP), Secretário de Segurança Pública...

Entendeu a diferença?

Às vésperas do Enem, discursos opostos de Tarcísio e...

A “PEC 38” de Paulínia: servidores de Paulínia enfrentam maior ofensiva contra direitos desde 2017

Foto: acervo de Alexandre Mandl   Sob denúncias de desmonte histórico,...
spot_img

Related Articles