
Uma conclusão que se chega após as exposições dos participantes da Audiência Pública “Em defesa da Pesquisa”, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp): Tarcísio de Freitas, governador do estado de São Paulo, poderia ser considerado um negacionista da ciência.
O debate público foi realizado nesta quarta-feira (14) pela deputada estadual Beth Sahão (PT), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas e Institutos de Pesquisa da Alesp, com auditório lotado. Na mesa estavam representantes de importantes instituições de pesquisa e ensino superior do Estado.
A principal evidência da postura negacionista de Tarcísio é a implementação de políticas que atacam frontalmente os institutos de pesquisa, as universidades públicas do Estado e a carreira dos cientistas que neles atuam.
Como destacado pelo vereador Gustavo Petta (do PCdoB), de Campinas, o mais recente e alarmante movimento do governador é a proposta de venda de áreas pertencentes aos institutos públicos de pesquisa, como a do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A venda de parte da área do IAC está sendo apresentada sob o argumento de “otimização patrimonial”, mas, na prática, representa uma tentativa de desmonte da infraestrutura centenária de pesquisa agropecuária e ambiental construída com recursos públicos.
Além disso, como exposto por Helena Dutra Lutgens, presidenta da APqC (Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo), tramita na Alesp o projeto de lei Complementar 09/2025, enviado pelo próprio governo Tarcísio, que propõe a desestruturação da carreira de pesquisador científico no estado. A proposta ignora o papel estratégico das instituições públicas de pesquisa no desenvolvimento econômico, na produção tecnológica e na elaboração de políticas públicas baseadas na ciência. Se aprovado, o projeto de lei significará o fechamento das instituições, pois vai levar à precarização da produção científica e inviabilização da formação de novas gerações de pesquisadores.
Outras ações que expõem o negacionismo
Essa política de desestruturação dos institutos públicos de pesquisa não é um fato isolado. Como destacado por Silvia Gatti, presidenta da ADunicamp (Associação de Docentes da Unicamp), e por Marimélia Porcionatto, representante da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), também participantes da Audiência Pública, Tarcísio de Freitas, desde o início de sua gestão, tem tomado decisões que, direta ou indiretamente, fragilizam a ciência, a educação e a produção de conhecimento no Estado.
Dentre essas decisões, são destacadas:
- Desvalorização das universidades públicas: apesar de São Paulo ter três das mais importantes universidades da América Latina (USP, Unicamp e Unesp), o governo Tarcísio tem mantido uma relação distante e instrumental com essas instituições, com pouco ou nenhum diálogo sobre financiamento, autonomia e valorização da carreira docente e científica.
- Negligência com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ainda que o repasse constitucional de 1% da receita líquida esteja mantido, a falta de políticas integradas entre a Fapesp e o planejamento estratégico do estado revela um governo que não concebe a Ciência como promotora de desenvolvimento e inclusão social.
- Corte e congelamento de verbas para projetos de extensão científica, especialmente nas áreas de saúde, agricultura familiar e meio ambiente, afetando programas que historicamente beneficiaram populações vulneráveis.
- Aproximação com setores negacionistas e ultraconservadores, que defendem o revisionismo histórico, a censura a pesquisas com enfoque de gênero ou racial e o boicote a pautas ambientais e climáticas.
Ao atacar institutos e universidades públicas, Tarcísio de Freitas segue um roteiro semelhante ao que o bolsonarismo aplicou no governo federal: desmonte, desfinanciamento e deslegitimação da Ciência.
Um projeto de poder contrário ao conhecimento
O negacionismo científico do governador Tarcísio de Freitas, portanto, não se dá por declarações explícitas contra a ciência, como se viu em governos anteriores. Seu negacionismo é sofisticado, institucional: destrói por dentro, com projetos de lei, decretos e decisões administrativas que minam as pesquisas públicas.
O que está em jogo não é apenas o futuro de centenas de cientistas e servidores públicos. Está em risco a capacidade do estado de São Paulo de continuar contribuindo para soluções nas áreas de saúde, agricultura, energia e meio ambiente.
Na prática, Tarcísio de Freitas age como um negacionista científico, não pelas palavras, mas pelas políticas. E isso, talvez, seja ainda mais perigoso.
* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.