Foto: acervo de Alexandre Mandl
Sob denúncias de desmonte histórico, servidores de Paulínia enfrentam a prefeitura em uma das maiores batalhas já travadas pelo serviço público municipal.
Por Radar Democrático
A disputa entre o Prefeito de Paulínia, Danilo Barros (PL), e os trabalhadores do serviço público municipal entrou, nas últimas semanas, em sua fase mais tensa desde a conquista do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV), em 2017. De um lado, o Prefeito tenta aprovar um amplo projeto de reestruturação administrativa. De outro, servidores organizados afirmam que o texto representa “o maior desmonte da história do serviço público municipal” e denunciam que a proposta, além de inviável, repete diretrizes de uma contrarreforma administrativa de alcance nacional.
Para Alexandre Tortorella Mandl, advogado do Sindicato dos Servidores Municipais de Paulínia, o embate ultrapassa os limites do funcionalismo local.
“A luta dos servidores de Paulínia tem uma dimensão estrutural importante para a cidade, para a população e para o conjunto dos trabalhadores. Mas ela também é ponta de lança de uma contrarreforma administrativa que está pautada nacionalmente e que tem impacto profundo em toda a região”, afirma Mandl.
Um modelo reconhecido — e agora ameaçado
Paulínia, cidade que ao longo dos anos estruturou um serviço público robusto e de alta qualificação — especialmente nas áreas de saúde e educação — tornou-se referência regional. Esse modelo consolidou-se graças a investimentos contínuos e, sobretudo, às lutas históricas por valorização profissional.
O marco desse processo foi a aprovação do PCCV em 2017. A medida instituiu critérios objetivos e isonômicos para progressão na carreira, reduzindo o uso político de funções gratificadas e cargos condicionados. Segundo Mandl, a conquista foi resultado de “muita luta, muito suor e forte pressão do Sindicato dos Sevidores Municipais para diminuir a dependência de cargos de confiança”. Agora, afirmam os servidores, tudo isso estaria em risco.
A proposta da prefeitura e seus três pilares
A minuta enviada pelo Executivo municipal aolege três eixos centrais que, segundo o advogado, desmontam a espinha dorsal do serviço público. No primeiro deles:
“A prefeitura simplesmente extingue todos os cargos. Todos. E não diz como serão os novos. É surreal imaginar o tamanho da agressividade dessa proposta”, diz Mandl.
O segundo eixo desloca para cargos comissionados e funções gratificadas postos estratégicos que, tradicionalmente, são ocupados por servidores de carreira.
“Eles tiram qualquer perspectiva republicana. Entregam funções estruturais do Estado democrático de direito a comissionados. E ainda colocam essas pessoas para avaliar o desempenho de todos os servidores”, afirma.
Esse sistema, baseado em metas, produtividade e critérios subjetivos, remete — segundo o advogado — a modelos neoliberais que priorizam números em detrimento da qualidade do atendimento à população.
O terceiro eixo envolve a possibilidade de terceirizar amplamente setores como saúde e assistência social, algo que, para os trabalhadores, reabre espaço para práticas políticas historicamente conhecidas na região.
“É a porta escancarada para a política do ‘toma lá, dá cá’ e para conchavos. Paulínia conhece bem esse risco”, alerta.
Servidores denunciam ausência de diálogo
Além do mérito, os trabalhadores criticam o processo escolhido pela prefeitura para apresentar a proposta. De acordo com o advogado, apesar de mais de um mês e meio de estado de greve e diversos pedidos de negociação coletiva, o Executivo não abriu mesa de diálogo.
Em vez disso, lançou uma consulta pública online, que os servidores classificam como instrumento insuficiente e excludente.
“É um estratagema pseudo-democrático. Individualiza as questões, impede discussão coletiva e limita a participação real dos trabalhadores”, afirma Mandl.
O dia de paralisação e a rua como espaço de debate
A tensão culminou em uma paralisação no dia 11 de novembro. Ao longo do dia, atividades se espalharam pelo centro da cidade: concentração na Rua São Bento, caminhada pela praça, panfletagem e diálogo com a população. No início da tarde, o grupo se dirigiu ao gabinete do prefeito — que não recebeu a comissão.
À noite, os servidores participaram da sessão da Câmara Municipal, onde protocolaram documentos aos vereadores. Depois, realizaram nova assembleia, que deliberou pela continuidade da mobilização e marcou para o dia 17 uma nova plenária ampliada.
Judicialização e a batalha por direitos históricos
Ao mesmo tempo, o sindicato aciona o Ministério Público, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça para frear o avanço do projeto. Segundo Mandl, essa frente jurídica busca garantir que a prefeitura “se abstenha de práticas abusivas, autoritárias e sem diálogo”.
“É preciso barrar um desmonte que atinge diretamente a população e destrói conquistas estruturadas ao longo de décadas. O que está em jogo é a qualidade do serviço público e um plano de carreira baseado em critérios objetivos, não em acordos políticos”, reforça.
O futuro de Paulínia
Para o Mandl, a disputa que agora toma as ruas e as instituições não é apenas corporativa. É um choque de modelos: de um lado, uma estrutura consolidada, com servidores qualificados e políticas estáveis; de outro, uma proposta que centraliza poder, amplia cargos comissionados, extingue carreiras e abre espaço para terceirizações generalizadas.
“A prefeitura adota um método autoritário e uma agenda de desmonte. É a maior ofensiva já vista contra o serviço público municipal de Paulínia”, conclui Mandl.
A próxima semana, marcada por assembleias, manifestações e novas medidas judiciais, deve definir os rumos do impasse — e talvez o próprio futuro do serviço público paulinense.
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