Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Guilherme Derrite (PP-SP), Secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas, como relator do Projeto de Lei voltado ao combate ao crime organizado, que tramita na Câmara dos Deputados, tem proposto modificaçãoes ao texto que podem reduzir o alcance, a autonomia e os recursos financeiros da Polícia Federal (PF).
Por Radar Democrático
A pergunta que dá título a esta matéria surge após análises de documentos oficiais, notas técnicas, reportagens e um rastro de alterações legislativas feitas pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) ao PL 5.582/2025 que, somadas, apontam para uma direção bem específica: reduzir o alcance, a autonomia e os recursos financeiros da Polícia Federal (PF).
Enquanto esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite acumulou controvérsias que ajudam a compreender a recepção crítica ao seu protagonismo no Congresso. Sua gestão foi marcada por denúncias de uso político das forças de segurança e confrontos com o Ministério Público sobre protocolos de atuação e controle externo da atividade policial. Derrite também enfrentou críticas por mudanças internas que ampliaram o poder do comando operacional em detrimento de mecanismos de transparência e investigação polícial, e pela condução de crises envolvendo abusos policiais amplamente divulgados pela imprensa.
A seguir, os fatos que sustentam a pergunta — ainda sem resposta definitiva.
1. A mudança financeira: o ponto mais sensível de todo o projeto
O coração da controvérsia está na tentativa de Derrite de alterar a destinação dos bens e valores apreendidos em operações contra o crime organizado.
O substitutivo apresentado por Derrite ao Projeto de Lei retira da PF o acesso pleno a esses recursos, repartindo-os com fundos estaduais ou direcionando-os para outras finalidades quando a operação não for integralmente conduzida pela corporação federal.
Até aqui, esse poderia parecer apenas um ajuste federativo. Mas o Ministério da Justiça não viu dessa forma. Para o Ministério, a medida retira da Polícia Federal o acesso direto a recursos essenciais para manter investigações complexas, inteligência, operações sigilosas e renovação tecnológica. A mudança diminuiria, de forma imediata e estrutural, a capacidade operacional da PF.
A Receita Federal reforçou a crítica em nota: as alterações propostas “abrem margem para enfraquecimento da autoridade federal” e podem comprometer o combate à criminalidade organizada.
Apesar de pressões políticas, Derrite manteve parte dessas mudanças nas versões subsequentes de seu parecer.
2. O Ministério da Justiça vê risco real de asfixia financeira
A advertência do Ministério da Justiça não foi protocolar — foi explícita.
Para a Secretaria de Assuntos Legislativos, a proposta de destinar menos recursos à PF representa um risco concreto de asfixia financeira, já que a corporação depende do produto de bens apreendidos para investir em:
- inteligência e contrainteligência,
- operações de infiltração,
- tecnologia de rastreamento financeiro,
- investigações sensíveis de alta complexidade
Ao redesenhar essa fonte de financiamento, Derrite mexeu na espinha dorsal da autonomia financeira da PF.
E, como destaca o Ministério, a autonomia financeira significa independência investigativa.
3. Diretivas de investigação condicionadas a governadores: o outro flanco de enfraquecimento
Além da disputa pelos recursos, Derrite foi ainda mais longe: propôs que a PF dependesse de autorização dos governadores para atuar em certos casos de repercussão interestadual ou transnacional.
O substitutivo do Projeto de Lei proposto por Derrite determinava que a PF só poderia atuar mediante “provocação do Governador do Estado”.
A proposta foi vista por especialistas como uma forma direta de limitar a autonomia investigativa da instituição, sujeitando-a a disputas políticas locais.
Diante da repercussão negativa, Derrite recuou parcialmente, mas manteve exigências de comunicação prévia aos estados, o que, para o Ministério da Justiça, ainda produz efeito inibidor e risco de vazamento prévio de operações sensíveis.
4. O recuo insuficiente — segundo governo, PF e especialistas
Sob intensa pressão pública e interna, Derrite apresentou uma nova versão de seu relatório. Contudo:
- o mecanismo de condicionamento político foi apenas suavizado, não eliminado;
- a alteração na destinação de bens apreendidos, principal fonte de financiamento da PF, foi mantida em essência.
Para o Ministério da Justiça, essa manutenção é o ponto mais grave, pois compromete a capacidade da PF no combate ao crime organizado.
5. Pressão política e institucional: governo, PF e Receita contestam o relatório
Gleisi Hoffmann, Ministra das Relações Institucionais do Governo Lula, diz que as propostas apresentadas por Derrite dão salvo-conduto para facções ao tornar a PF dependente de autorização estadual.
A Receita Federal classificou o texto como desautorização inaceitável da PF.
A própria PF tem expressado sua preocupação institucional com o impacto financeiro imediato à instituição.
Combinadas, essas reações mostram que o debate ultrapassou a técnica. Tornou-se um alerta nacional.
6. O que tudo isso significa?
Ao juntar as peças:
- Derrite tenta reduzir a fatia dos recursos apreendidos que hoje financiam a PF.
- O Ministério da Justiça afirmou que isso retira da PF recursos indispensáveis para investigações de alta complexidade.
- Derrite tenta subordinar a PF a governadores, mesmo que parcialmente tenha recuado.
- A Receita Federal chamou a proposta de enfraquecimento da autoridade federal.
- A PF vê risco de asfixia financeira combinada com perda de autonomia.
- Os recuos feitos por Derrite não eliminam os mecanismos de esvaziamento.
Não há, até agora, explicação técnica ou institucional que justifique por que Derrite escolheu atacar justamente dois pilares que sustentam a Polícia Federal: autonomia financeira e independência investigativa.
A pergunta que abre esta matéria ainda permanece sem resposta. E caberá ao Congresso, ao Ministério Público, à imprensa e à sociedade seguir perguntando e busccando uma resposta.
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