Estimativa de renúncia do IPVA na LOA 2026 coloca em pauta a distinção entre isenções que asseguram direitos — como mobilidade e transporte público — e benefícios fiscais concentrados, apontados por estudos acadêmicos e órgãos de controle.
Por Radar Democrático
A política de isenções e renúncias do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) no Estado de São Paulo voltou ao centro do debate orçamentário com a apresentação da Proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) 2026 (PL nº 1036/2025) pelo Poder Executivo à Assembleia Legislativa (ALESP). O projeto estima em R$ 5,6 bilhões a renúncia de receita com IPVA no próximo exercício, ao mesmo tempo em que projeta crescimento nominal da arrecadação do imposto.
A discussão ocorre em um contexto já amplamente analisado por estudos acadêmicos e por órgãos de controle. Entre eles, destaca-se a pesquisa do economista Juliano Giassi Goularti, doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp, que analisou de forma sistemática a evolução da renúncia de receita do IPVA em São Paulo entre 2002 e 2021, com base nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e nos demonstrativos fiscais do próprio governo estadual.
Isenções de IPVA como garantia de direitos sociais
O estudo de Goularti demonstra que uma parcela relevante das isenções do IPVA em São Paulo está diretamente associada à garantia de direitos sociais previstos na Constituição Federal, especialmente no caso de pessoas com deficiência, transporte público coletivo e serviços essenciais. A isenção concedida a veículos utilizados por pessoas com deficiência física, visual, intelectual severa ou autismo, por exemplo, é tratada pelo autor como uma política de inclusão social e de promoção do direito à mobilidade, alinhada aos princípios constitucionais de igualdade material.
Na mesma direção, a legislação paulista isenta ônibus e micro-ônibus empregados exclusivamente no transporte público urbano e metropolitano. Para Goularti, esse tipo de desoneração deve ser compreendido como gasto público indireto, pois contribui para reduzir custos operacionais do sistema de transporte e ampliar o acesso da população ao direito à cidade.
Crescimento acelerado da renúncia e concentração dos benefícios
Apesar do papel social de parte das isenções, a pesquisa de Goularti revela que a renúncia total do IPVA em São Paulo cresceu de forma acelerada nas últimas duas décadas, passando de cerca de R$ 276 milhões em 2002 para mais de R$ 3 bilhões a partir de 2021. O crescimento mais abrupto ocorre a partir de 2020, com a ampliação da redução de 50% da alíquota do IPVA para empresas locadoras de veículos, prevista na Lei nº 13.296/2008.
Segundo o autor, embora os veículos com mais de 20 anos representem a maior parte da frota isenta, o maior impacto financeiro da renúncia recai sobre a redução de alíquota para locadoras, que beneficia um número relativamente pequeno de veículos, mas responde pela maior parcela da perda de arrecadação. Essa constatação reforça o caráter concentrado e regressivo de parte da política de desoneração do IPVA.
Alertas dos órgãos de controle
As conclusões do estudo acadêmico encontram respaldo em manifestações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) e do Ministério Público de Contas. Em pareceres sobre as contas do governo estadual, os órgãos de controle apontam fragilidades na metodologia de estimativa das renúncias, ausência de medidas de compensação previstas no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e concessão de benefícios sem estudos consistentes de impacto fiscal e social.
Além disso, a Resolução nº 6/2016 da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) estabelece diretrizes de controle externo que, segundo o próprio TCE-SP, não vêm sendo plenamente observadas na política paulista de renúncias de impostos.
Guerra fiscal e distorções federativas
Outro ponto abordado por Goularti é a guerra fiscal entre os estados. Dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA) mostram que parte significativa da frota de veículos de locação é licenciada em estados com alíquotas mais baixas de IPVA, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. Esse movimento reduz a base arrecadatória paulista e aprofunda desequilíbrios no pacto federativo, afetando também os municípios, que recebem 50% da arrecadação do imposto.
Diferenciar direitos sociais de privilégios fiscais
O desafio colocado pela LOA 2026 não é eliminar indiscriminadamente as isenções de IPVA, mas distinguir claramente aquelas que operam como garantia de direitos sociais daquelas que funcionam como privilégios fiscais concentrados. Isenções voltadas à mobilidade de pessoas com deficiência, ao transporte público e a serviços essenciais tendem a reduzir desigualdades. Já benefícios sem avaliação de impacto, como parte das reduções de alíquota, podem comprometer recursos destinados à saúde, educação e investimentos públicos.
Nesse sentido, tanto o estudo de Juliano Giassi Goularti quanto os pareceres do TCE-SP, do Ministério Público de Contas e da Atricon convergem para a necessidade de mais transparência, controle, avaliação periódica e debate público sobre a política de renúncia do IPVA em São Paulo.
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