
Os quatro cantos do mundo apreciam as fotos, livros e exposições de Sebastião Salgado. Cada foto revela uma história e esconde outras narrativas. Se há abundância de reprodução de seus trabalhos, sua história pessoal, suas viagens, e sua personalidade são poucos conhecidos, porque pouco publicados.
Talvez Salgado, que morreu no último dia 23, prefira que suas obras falem por si. Mas sua autobiografia publicada em livro em 2014 preenche essa lacuna e é essencial para entender o todo da obra e o autor. O livro “Da minha terra à terra” é simples se comparado com suas fotos, tem 152 páginas e traz ele na capa em foto que não é sua. A edição no Brasil é da Editora Paralela, uma divisão da Editora Schwarcz S.A.
O livro foi escrito por Isabelle Francq a partir de depoimentos prestados por ele. Felizmente a autora manteve a primeira pessoa do singular na narrativa, o que oferece o ritmo suave da palavra e da conversa, “No intervalo entre voos e reportagens, entre preparação de dois belos livros (Gênesis, de 2013, nas coleções Fo e Sumo) ele sempre esteve disponível. Com uma gentileza e uma simplicidade comoventes, refez comigo seu percurso”, registra a autora na apresentação. “Expôs suas convicções, revelou-me seus sentimentos, é seu talento de narrador que compartilho aqui (no livro) a autenticidade de um homem que sabe combinar militância e profissionalismo, talento e generosidade”.
São 25 capítulos onde Salgado nos leva a um passeio pelo mundo, pela sua história e para dentro de si próprio. É impossível não se encantar. Radar Democrático escolheu o capítulo da sua infância na fazenda em Minas Gerais, suas longas caminhadas, grandes espaços e o olhar na contraluz que marca a maior parte das suas fotos.
Minha terra natal – Tenho lembranças maravilhosas de menino. Eu brincava em grandes espaços abertos, havia água por toda parte. Nadava nos riachos, cheios de jacarés – que não atacavam os homens, ao contrário do que se acredita. Eu tinha um cavalo, saía com ele pela manhã e só voltava à noite. Eu galopava até o fim da fazenda, seu ponto mais alto, e, dali, olhava para o horizonte. Eu sonhava em ver mais longe… Os projetos fotográficos podem parecer de grande envergadura, nasci num país imenso, estou acostumado com grandes espaços e deslocamentos. Há muito tempo adquiri o hábito de dormir uma noite num lugar, depois, em outro. Eu percorria sozinho distância equivalentes às de Paris-Moscou ou Paris-Lisboa… Meu pai levava de quinhentos a seiscentos porcos com uma varinha, e permanecia na estrada por mais de cinquenta dias…Duas a três vezes
acompanhei essas longas transumâncias… Essa lentidão é a mesma da fotografia.
Minha terra é muito bonita. Foi onde aprendia ver e amar a luminosidade que me segue por toda a vida. Na estação das chuvas, quando tempestades fenomenais começam a se armar, o céu fica cheio de nuvens. Nasci com imagens de céus carregados atravessados por raios de luz. Essas luzes entraram nas minhas imagens. Também cresci a contraluz: quando era garoto, para proteger a pele clara, sempre me colocavam um chapéu na cabeça ou me instalavam debaixo de uma árvore. E eu sempre via meu pai vindo até mim sob o sol, na contraluz. Essa luz e esses espaços, portanto, pertencem à minha história.
Eu já tive a oportunidade de ver uma exposição de SS da a impressão que ele fotografa a alma que transcende é profundo!!
Sim, Sebastião Salgado fotografava nossa alma. Por isso, nossa homenagem a ele. Agradecemos a você, Carlos, o comentário.